Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável
Economia verde
A busca de um novo modelo econômico de baixo carbono, baseado no melhor aproveitamento dos recursos naturais, exigirá um investimento anual de mais de US$ 1,3 trilhão, ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, em dez setores estratégicos, até a metade do século XXI.
O relatório Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mensura o peso que as políticas públicas terão no fomento de novas tecnologias nos próximos 40 anos e atribui à iniciativa privada a maior parte da responsabilidade desse investimento.
Segundo o PNUMA, políticas adotadas nas últimas três décadas para garantir um crescimento econômico aliado à eficiência energética e ao menor consumo de recursos naturais produziram resultados “modestos demais” em termos de promoção da transição para a chamada “economia verde”.
A ONU defende a necessidade de investimentos intensivos nas áreas de agricultura, indústria, energia, água, edifícios, gestão de resíduos, pesca, silvicultura, turismo e transportes.
O relatório indica que o crescimento mundial da economia nesse cenário mais “verde” seria maior do que o registrado no atual modelo econômico, apesar do conceito disseminado que opõe desenvolvimento a sustentabilidade ambiental.
“Em uma transição para uma economia verde, serão criados novos empregos que, ao longo do tempo, superarão as perdas de empregos da economia marrom [de alta emissão de carbono]”, diz o documento.
Menos subsídios para a economia marrom
Desse montante de US$ 1,3 trilhão, a maioria dos recursos deverá ser oriunda do capital privado, apesar do importante papel atribuído ao setor público na definição de políticas de fomento dessas tecnologias.
Cabe aos governos, de acordo com o documento, principalmente direcionar os esforços para fomentar o aprimoramento dos setores-chave e redimensionar estratégias que estimulam financeiramente segmentos ligados à economia de alta emissão de carbono. “Corrigir subsídios onerosos e prejudiciais em todos os setores abriria espaço fiscal e liberaria recursos para a transição para uma economia verde.” O PNUMA calcula que o fim dos subsídios destinados a apenas quatro setores (energia, água, pesca e agricultura) traria uma economia anual de 1% a 2% do PIB global.
Um dos exemplos, diz o texto, são os subsídios destinados à produção e comercialização de combustíveis fósseis, que superaram a marca de US$ 650 bilhões em 2008, o que desestimula uma mudança de matriz energética para os recursos renováveis.
“O uso de ferramentas como impostos, incentivos fiscais e licenças negociáveis para promover investimentos e inovações verdes também é essencial, assim como o investimento em capacitação, treinamento e educação”, explica o documento.
Emergência verde
Mesmo estando aquém do ritmo desejado, de acordo com o PNUMA, a transição para o modelo da “economia verde” ocorre em “escala e velocidade nunca antes vistas”.
O segmento de energia limpa é um dos que mais crescem; a previsão é de que investimentos mundiais no setor tenham aumentado 30% no último ano, passando de US$ 186 bilhões em 2009 para US$ 243 bilhões em 2010.
O PNUMA destaca que países não membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como Brasil, China e Índia, têm-se sobressaído, ampliando sua participação mundial em investimentos em energia renovável de 29% em 2007 para 40% em 2008.
Os autores de Rumo a uma Economia Verde atribuíram ao setor de energia o maior montante, US$ 362 bilhões (27%), do total de recursos de US$ 1,347 trilhão a ser investido anualmente. O segundo segmento que deve receber mais recursos é o de transportes, com US$ 194 bilhões (14%).
Na sequência, aparecem os setores de edifícios e turismo (US$ 134 bilhões ou 10% cada um), agricultura, água, gestão de resíduos e pesca (US$ 108 bilhões ou 8% cada um), indústria (US$ 76 bilhões ou 6%) e silvicultura (US$ 15 bilhões ou 1%).
Biomassa brasileira
O desempenho do Brasil nos biocombustíveis ganha relevo no capítulo de energia renovável.
O bioetanol produzido no País é destacado como uma das duas únicas opções comercialmente maduras para a geração energética entre as fontes renováveis do mundo, ao lado da energia hidrelétrica produzida em grandes represas, que supre 16% da demanda do mundo.
“Em termos de utilizações sustentáveis de biomassa, a produção de combustíveis para transporte baseados em bioetanol no Brasil já é uma tecnologia comercialmente madura”, informa o texto, em comparação com outras tecnologias promissoras para a geração de energia limpa, como a eólica, considerada ainda nas fases de implantação e difusão no mundo.
Economicamente o segmento de energia renovável ganha cada vez mais destaque, tendo empregado direta ou indiretamente mais de 2,3 milhões de pessoas no planeta, segundo balanço feito em 2006 e citado no relatório.
O Brasil é o segundo país do mundo que mais emprega nesse setor, com cerca de 500 mil trabalhadores, o que representa 20,7% de toda mão-de-obra envolvida no segmento no mundo.
Sustentabilidade na construção civil
O relatório divide as áreas estratégicas de investimento em capítulos, que foram organizados por especialistas das diversas áreas e de várias partes do mundo.
O capítulo sobre edifícios e construção civil foi coordenado por três especialistas, entre eles a arquiteta brasileira Joana Carla Soares Gonçalves, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde atua no Departamento de Tecnologia da Arquitetura, no Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética. Desde 2009, ela também é professora orientadora do Programa de Pós-Graduação Energia e Ambiente da Architectural Association Graduate School, em Londres.
Joana coordenou a equipe de autores em parceria com os pesquisadores Philipp Rode e Ricky Burdett, da London School of Economics, em Londres, e também redigiu textos com definições de conceitos, sobre a importância da inserção do projeto arquitetônico no contexto climático, do conforto ambiental, do emprego de materiais e das vantagens de reabilitação de prédios.
Em entrevista por e-mail a Inovação, a professora da USP, que está em Londres, aponta o papel fundamental do uso da tecnologia na construção civil para a constituição de edifícios “mais verdes” e diz que o foco do relatório é nas inovações que busquem a economia de energia, destacadas dentro do tópico “Oportunidades”.
“No entanto, eu gostaria de destacar que tecnologia, no que tange aos sistemas prediais, é só um fator dentre outros que colocamos sucintamente. Definitivamente, o foco não está só na tecnologia, mas no edifício como um todo, incluindo seus ocupantes”, afirmou Joana.
O relatório da UNEP, detalha a professora, tem como objetivo fornecer informações para os agentes tomadores de decisão de todo o mundo, abordando desafios, oportunidades e instrumentos, mas principalmente mensurando os impactos e as vantagens econômicas dessa transição. “É importante destacar também que, de uma maneira geral, ainda temos poucos dados quantitativos disponíveis sobre os custos e as vantagens econômicas de edifícios de menor impacto ambiental, em diferentes partes do mundo”, esclarece Joana. “Achar esses números para montar nosso argumento a favor de edifícios mais verdes foi um grande desafio”, diz a autora, acrescentando que mesmo assim a equipe teve êxito na construção da base de argumentos, com dados e fatos convincentes.
Relatórios técnicos
Segundo a professora da USP, o documento “Rumo a uma Economia Verde” não foi proposto para ser uma publicação técnica, mas sim informativa. No entanto, ele será desdobrado em relatórios técnicos que desenvolverão em detalhes as questões principais de cada um dos capítulos.
Joana contribuirá para os relatórios do PNUMA sobre edifícios abordando temas como a conscientização e inserção econômica dos edifícios de menor impacto ambiental.
Joana Gonçalves afirma que não há no Brasil uma valorização suficiente da etapa de projeto dentro da construção civil; para ela, os projetos devem ser mais “inteligentes” e contemplar todos os aspectos do impacto ambiental, como os materiais, o conforto dos usuários e o melhor aproveitamento dos recursos naturais, como luz e ventilação. “O arquiteto tem que conhecer mais e melhor todas as questões de desempenho ambiental, assim como os engenheiros de todas as naturezas precisam entender melhor os vários aspectos do desempenho ambiental dos projetos arquitetônicos e da construção para pensar as soluções tecnológicas.”
Prédios novos x prédios requalificados
O setor da construção civil responde por mais de um terço do consumo de recursos do planeta, o que inclui 12% do consumo mundial de água doce, além de gerar 40% de todos os resíduos sólidos do mundo, de acordo com o PNUMA.
Duas abordagens diferentes devem ser empreendidas para tornar o setor mais “verde”, de acordo com o relatório. Nos países desenvolvidos, as principais oportunidades estão na requalificação dos prédios existentes, para torná-los ambientalmente mais eficientes por meio de intervenções que reduzam o consumo de energia e incluam o uso de fontes renováveis. Já nos países não membros da OCDE, diz o documento, o déficit habitacional abre mais possibilidades para a exploração de novas gerações de construções com designs inovadores e novos padrões de desempenho.
“No entanto, deve ser considerado que, em muitos casos, o que já projetamos nos últimos 50 anos ou mais, principalmente nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e outras, representa um estoque edificado significativo que precisa ser recuperado e reutilizado, visando também um menor impacto ambiental”, pondera a professora. “Esse ponto é bem reforçado no relatório; definitivamente, não é somente sobre o novo, mas também sobre o já existente.”
Para Joana, um fator que favorece o Brasil é o clima ameno, que possibilita construir prédios mais eficientes, com menor consumo de energia e impacto ambiental reduzido. Mas para isso, diz ela, é necessário investir mais em projetos e compreender melhor o papel dos usuários.
Fonte: Inovação Tecnológica