Os avanços tecnológicos irão mudar a economia global nos próximos anos
Em entrevista ao site Look ahead, Espen Barth Eide, diretor do Fórum Econômico Mundial, fala sobre como conectividade dará forma a 2016
De acordos comerciais tênues à migração em massa, passando por energia e tecnologia. Em entrevista ao site Look ahead, Espen Barth Eide, diretor do Fórum Econômico Mundial, afirma que entender a conectividade básica pode ser a chave para compreender suas implicações e resolver os problemas inerentes a ela.
-A Parceria Transpacífico e a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento estão sendo abaladas por polêmicas, incertezas e preocupações com a transparência no processo de negociações. Qual é a sua opinião sobre essas negociações e como elas podem afetar a concorrência geoestratégica no futuro?
Espen Barth Eide: Há sempre a questão de saber se os acordos regionais retiram influência do sistema global. Por enquanto, eles provavelmente serão úteis regionalmente, desde que haja uma visão compartilhada de expandi-los em termos mundiais. Esta é uma distinção importante a se fazer, porque, se desistirmos do sistema global, concordaremos com um número de regimes regionais em que a internacionalização continua, mas não a globalização. Em outras palavras, o conceito de uma economia global com serviços de comércio aberto a todos pode ser subjugado por blocos regionais. Ainda assim, esse tipo de desenvolvimento é positivo e pode apontar o caminho para melhorar os processos, de forma que, eventualmente, eles possam ser replicados em nível mundial.
-Como os eventos mundiais que dão forma a estas e a outras políticas transregionais se farão sentir de 2016 em diante?
Espen Barth Eide: É importante compreender que estes acordos não são apenas sobre políticas comerciais, mas sobre postura política num momento em que o quadro geopolítico como um todo é complicado. Quando a Guerra Fria acabou, junto com ela se foi a ideia de competição entre os países fortes, e inauguramos uma era de fragilidade e colapso do Estado. Ao longo dos últimos anos, temos visto um retorno à competição entre os principais players, como os EUA, a China e a Rússia. Não é exatamente a Guerra Fria, mas se assemelha a ela pelo fato de termos grandes Estados que realmente funcionam, e de que cada um possui visões muito diferentes de como o mundo dever ser organizado.
Veja o conflito na Síria, que, embora tenha começado naquele país, tornou-se regional, à medida que diferentes partes, como o Irã, começaram a competir pela influência na região. Agora, adicionamos a Rússia e os Estados Unidos a essa mistura. Tanto a Rússia quanto os EUA estão competindo e cooperando porque existe o objetivo comum de reduzir a influência do Estado Islâmico, mas cada um tem metas opostas. A competição global e o caos regional se reúnem de uma forma dramática na Síria, mas também existem conflitos híbridos envolvendo o que costumávamos associar a entidades não estatais, como grupos islâmicos que se assemelham a Estados. O epicentro está no Oriente Médio, mas há ramificações em outros lugares.
Esses conflitos são dramáticos por si só, mas também apontam para uma implicação secundária, de que o poder dos Estados mais influentes foi reduzido. Receio que estamos apenas vendo o início disto. Um aspecto positivo, porém, é que os principais players podem sentir a necessidade de começar a cooperar entre si. Estamos vendo isso acontecer no acordo com o Irã: quando querem, eles ainda são capazes de fazer algo juntos.
-Será que o conflito na Síria reflete uma mudança no equilíbrio geoestratégico que você mencionou?
Espen Barth Eide: O que estamos vendo é a ligação de três crises distintas, que se conectaram em pelo menos uma maneira surpreendente. Primeiro, há o drama geopolítico no Iraque, no Iêmen, na Síria e no Norte da África, que só pode ser resolvido com soluções políticas. Mas, no momento, as pessoas estão buscando soluções militares, com nenhum dos lados ganhando ou perdendo. Assim, ele continua. Em segundo lugar, há a crise humanitária, dos refugiados (que já vem acontecendo há alguns anos), em que o número de pessoas em movimento está crescendo exponencialmente. A maioria se mudou para países vizinhos muito generosos, como a Turquia e a Jordânia.
O que aconteceu durante o verão – e que talvez tenha a ver com o envolvimento das grandes potências na Síria – é que algumas pessoas nos campos de refugiados não veem um fim para o conflito. Eles não enxergam nenhum motivo para esperar, porque querem continuar com suas vidas. Isso leva à terceira crise, já existente, que é a de identidade do projeto europeu. Antes, ele tinha uma dimensão Norte-Sul, mas agora é um problema generalizado sobre a capacidade de lidar com a situação de uma forma coletiva. Cada país tem sua própria política e suas diretrizes arraigadas sobre como lidar com o problema. Assim, por causa dos refugiados, a crise política na região do Oriente Médio e Norte da África se levanta para atingir a Europa de uma forma significativa. Não é possível resolver essas crises sem entender que elas estão conectadas.
-Como você vê esse tipo de conectividade se desenrolar de 2016 em diante?
Espen Barth Eide: As pessoas tentarão se mudar, se acharem que outros lugares são mais receptivos ou mais fáceis de viver. Não se trata apenas de política e da guerra, mas também da escassez de recursos naturais e do aquecimento global. Em relação às políticas, as consequências de agora, por exemplo, pessoas se mudando, podem ter efeitos ambientais depois, quando os recursos forem reduzidos. Mas nem tudo é sombrio. Acredita-se que os mercados de trabalho nos países que estão recebendo essas pessoas sejam impulsionados. Na preparação para a reunião anual do Fórum Econômico Mundial estamos tentando visualizar o debate sob uma nova luz e explorar como os atores públicos e privados podem gerenciar a crise dos refugiados e tirar algum benefício desse aumento populacional.
-Como você prevê a tecnologia influenciando a paisagem geoestratégica em um futuro próximo?
Espen Barth Eide: Ela influencia tudo, é o que chamamos de a quarta Revolução Industrial. Os avanços tecnológicos estão trazendo novas oportunidades e desafios. Além disso, vão mudar a economia global de uma maneira fundamental nos próximos anos. Por exemplo, as ferramentas para a fabricação serão muito diferentes e podem chegar a um nível de automação que anula os argumentos de buscar trabalho pouco remunerado. Isso poderia levar a fabricação de produtos de volta aos países de origem.
-Dadas as recentes negociações sobre as mudanças climáticas em Paris, quais são os principais desenvolvimentos energéticos que você espera ver em 2016?
Espen Barth Eide: Na preparação para a conferência do clima em Paris, vimos uma grande onda de compromissos por parte de governos e empresas para tomar medidas decisivas no combate às alterações climáticas. Boa parte do consenso já alcançado por meio de grupos de stakeholders e diferentes indústrias está proporcionando um dinamismo que é um bom prenúncio para a implementação de quaisquer resultados obtidos na reunião.
CEOs de 78 empresas – uma coligação intersetorial apoiada pelo Fórum Econômico Mundial, que inclui os setores bancário, industrial, da construção e energético – fizeram uma “oferta aberta” aos governos para coprojetarem soluções climáticas antes da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP21), em Paris. Elas incluem: precificação do carbono explícita ou implícita; inovação em fontes de energia alternativas e renováveis, eficiência energética e um fim ao desmatamento; maior divulgação corporativa de riscos de carbono; e que o governo estabeleça metas globais e nacionais de base científica para a redução das emissões globais de gases de efeito estufa.
A chave para uma ação continuada em compromissos como esses é a colaboração entre governo e empresas. As metas climáticas não podem ser alcançadas apenas por um ou outro; a ação coletiva e colaborativa é fundamental para fornecer soluções com rapidez.
Fonte: Época.