Novo estado de líquido da matéria pode revolucionar o mercado de tecnologia

Os cristais líquidos representam materiais que ficam entre o estado líquido e sólido e, desde a década de 1970, vêm se tornando um tema cada vez mais importante na tecnologia. Isso porque eles exibem uma curiosa mistura de comportamentos no controle da luz, que engenheiros usam para fabricar os famosos painéis de LCD, presentes em celulares, laptops, TVs e outros dispositivos. Agora, pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, descobriram um estado de cristal líquido que pode abrir portas para “um novo universo de materiais”.

Descrito como fase “nemática ferroelétrica”, esse estado da matéria foi proposto há mais de 100 anos por Peter Debye e Max Born, cientistas ganhadores do prêmio Nobel. Desde então, era observado somente em cristais sólidos e, recentemente, também foi identificado em cristais líquidos. Resumidamente, o “cristal líquido nemático ferroelétrico” possui uma ordenação polar mais “disciplinada” de suas cargas positivas e negativas. As amostram indicam que todas as moléculas apontam na mesma direção, direita ou esquerda — diferente da posição randômica de outros cristais líquidos nemáticos.

Noel Clark, professor de física e diretor do Centro de Pesquisa de Materiais Macios da Universidade do Colorado, em Boulder, afirma que essa descoberta pode revolucionar o mercado tecnológico, com a criação de novos tipos de telas e até uma reinvenção das memórias de computador. “Existem 40 mil trabalhos de pesquisa sobre nemática, e em quase qualquer uma delas você vê novas possibilidades interessantes se a nemática fosse ferroelétrica”, disse.

Como foi realizada a descoberta?

Na década de 1910, Peter Debye e Max Born teorizaram que, se você projetasse um cristal líquido corretamente, suas moléculas poderiam cair espontaneamente em um estado polar ordenado. Pouco tempo depois, os pesquisadores começaram a descobrir cristais sólidos que faziam algo semelhante, com moléculas apontando para direções uniformes. Eles também podem ser revertidos, girando da direita para a esquerda ou vice-versa sob um campo elétrico aplicado. Esses cristais sólidos foram chamados de “ferroelétricos”, devido às suas semelhanças com os ímãs — e porque, bem, “Ferrum” é latim para “ferro”.

Nas décadas seguintes, contudo, foi difícil encontrar uma fase de cristal líquido que se comportasse dessa mesma maneira. Até que, há apenas alguns anos, Clark e seus colegas passaram a examinar a RM734, uma molécula orgânica criada por um grupo de cientistas britânicos. Sob um campo elétrico fraco, uma paleta de cores se desenvolveu em direção às bordas da célula que continha o cristal líquido. “Foi como conectar uma lâmpada à tensão para testá-la, mas encontrar os fios do soquete e da conexão brilhando muito mais”, disse o pesquisador.

Imagem microscópica das cores vistas na nova fase do cristal líquido
(Reprodução/Universidade do Colorado em Boulder)

A partir de mais testes, o grupo descobriu que essa fase do RM734 era de 100 a mil vezes mais responsiva aos campos elétricos do que os cristais líquidos nemáticos usuais. Isso sugeriu que as moléculas que compõem o cristal líquido demonstravam forte ordem polar. “A entropia reina em um fluido. Tudo está mexendo, então esperávamos muita desordem”, acrescentou Joe MacLennan, coautor do estudo e professor de física na Universidade do Colorado. Por isso, quando descobriram o quão bem alinhadas as moléculas estavam dentro de um único domínio, e apontando para a mesma direção, ficaram surpresos.

O objetivo agora é descobrir como o RM734 alcança esse feito raro. O grupo se uniu a outros estudiosos da Universidade de Utah para encontrar essa resposta por meio de simulações avançadas de computador. “Este trabalho sugere que existem outros fluidos ferroelétricos escondidos na planície. É emocionante que agora estejam surgindo técnicas como inteligência artificial, que permitirão uma busca eficiente”, comentou Clark.

Fonte: CanalTech