Com tecnologia brasileira, piloto planeja dar a volta ao mundo em avião solar
Os pilotos suíços André Borschberg e Bertrand Piccard têm um plano audacioso: dar a volta ao mundo a bordo de um avião movido unicamente por energia solar. A jornada pioneira está sendo planejada para 2015, quando deve estar pronto para a viagem o segundo modelo da aeronave que, neste ano, cumpriu um feito inédito, atravessando os Estados Unidos da costa oeste a leste apenas com o uso de recursos renováveis. Um dos pilotos responsáveis pela façanha esteve no País neste mês para divulgar que a empreitada deve contar com a ajuda de tecnologia brasileira.
As viagens no Solar Impulse, o primeiro avião tripulado do mundo capaz de voar dia e noite sem combustível fóssil, têm sido feitas de maneira intercalada entre Borschberg e Piccard devido às limitações da aeronave movida a energia solar, que por enquanto só tem espaço para uma pessoa no cockpit. Os pilotos reconhecem algumas dificuldades técnicas enfrentadas com o veículo, porém acreditam que a iniciativa vai muito além do pioneirismo: é uma empreitada conceitual, uma oportunidade de promover tecnologias que utilizam energias renováveis e mostrar ao mundo que é possível até voar sem utilizar combustíveis fósseis.
Para cumprir esse desafio, eles contam com uma contribuição do Brasil. Os uniformes dos dois pilotos, premiados internacionalmente por seu caráter inovador, terão uma espécie de segunda pele confeccionada a partir de fibras têxteis inteligentes de poliamida. Essas fibras, comercializadas sob a marca Emana, foram totalmente desenvolvidas no País pela Rhodia, empresa do grupo belga Solvay. “Isso é importante porque, quando estamos voando, podemos enfrentar temperaturas de até -50ºC, então precisamos de roupas especiais”, destacou em entrevista ao Terra André Borschberg.
Experiência, motivação e desafios
O piloto relata que a experiência de andar no avião solar é muito diferente do voo em uma aeronave comum. “Tudo acontece muito devagar. Você tem que controlar demais o avião e aprender a ser paciente. Nem sempre contamos com a ajuda de controladores de voo: a responsabilidade é toda do piloto. É ainda muito experimental”, disse o engenheiro suíço, reconhecendo alguns dos obstáculos enfrentados. Contudo, ele encara a experiência como um hobby – além de uma oportunidade de conscientização sobre energias renováveis. “Além de divulgar essa causa e buscar soluções sustentáveis, procuro me divertir. Voar é um prazer.”
Os voos nesse veículo, porém, nem sempre foram tranquilos. Borschberg descreveu duas experiências que o levaram a questionar a capacidade técnica da aeronave – um projeto que começou em 2001 e recebeu mais de US$ 150 milhões em investimentos. “O primeiro desafio foi enquanto voava sobre Austin, no Texas, quando o vento estava muito forte – a intensidade era igual à velocidade máxima do avião. Tivemos de parar no aeroporto, e não foi fácil aterrissar. Tive que pilotar como se fosse um helicóptero, algo muito incomum e exigente.” A segunda dificuldade encontrada em pleno voo foi ainda pior. “Perdi parte da asa enquanto voava sobre o Atlântico. Foi preciso voltar e atravessar a costa até encontrar um aeroporto, perto de Washington (Texas). O engenheiro ficou surpreso pelo avião não desintegrar.”
Tecnologia sustentável
O Impulse, em seu modelo atual, é um avião de fibra de carbono com 1,6 mil quilos de peso e uma envergadura de 63,4 metros, equivalente à de um Boeing 747. A aeronave funciona com 12 mil células fotovoltaicas capazes de produzir eletricidade suficiente para recarregar sua bateria de lítio de 400 quilos, necessária para alimentar quatro motores elétricos com hélice de 10 cavalos de força cada um, tanto de dia quanto de noite. Com a nova versão da aeronave, que poderá levar os dois pilotos ao mesmo tempo e deve começar a ser testada em abril do ano que vem, os dois pilotos planejam uma volta ao mundo em 2015.
“Parece frágil, mas é desenhada como uma aeronave qualquer”, afirmou o piloto. Com a missão Across America 2013, finalizada em julho, o Solar Impulse percorreu 6.503 quilômetros, na travessia entre São Francisco e Nova York – da costa oeste a leste dos Estados Unidos – usando apenas a energia solar. Em cada escala, o avião ficou em exibição entre uma semana e 10 dias, para que os interessados pudessem vê-lo e falar com os pilotos. O objetivo da viagem é a promoção de tecnologias que utilizam energias renováveis.
Como nos anos 1950
Pilotar o Solar Impulse, definir sua trajetória, o que pode e ainda não pode fazer são preocupações vivenciadas Borschberg e Piccard que destoam da atual tecnologia na aviação. Enquanto as aeronaves atualmente contam com instrumentos que relatam problemas e definem a rota mais adequada, com capacidade para enfrentar turbulências e demais problemas, os suíços têm que ajustar cada aspecto do avião solar. É como estar de volta à época em que essas máquinas ainda tinham seus limites testados e mal podiam carregar passageiros.
“Voar em uma aeronave assim é como estar de volta aos anos 1950”, ponderou Borschberg. “Ainda são necessários muitos ajustes, precisamos testar diversos aspectos até ter a segurança, por exemplo, de que poderemos voar de um país a outro, ou eventualmente cruzar um oceano”, disse o piloto. Ele acredita que ainda deve demorar “uns 40 anos, talvez mais” para o avião solar funcionar como alternativa às aeronaves comuns. “Pode demorar muito tempo, mas veremos a popularização de aviões movidos por energias renováveis.”
Futuro da aviação sustentável
Apesar de precisar ser carregado durante o dia e ter seu desempenho afetado em função do clima – sofrendo revés no abastecimento quando chove, por exemplo –, os responsáveis pelos feitos do Solar Impulse acreditam que poderão viajar com relativamente poucas interrupções ao redor do mundo. Eles revelam que o modelo atual possui autonomia de voo de 26 horas, mas a nova versão do avião solar poderá cruzar os céus por até cinco dias e cinco noites sem parar em terra, carregado tão somente pela energia do Sol. Será o suficiente? Os pensamentos do piloto voam longe.
“Queremos que uma aeronave assim tenha resistência ilimitada, se movendo sem parar apenas com a energia captada durante o voo. O ato de abastecer já é uma prática defasada: você vai ao posto com seu carro, por exemplo, e precisa de algo que o dê energia; mas aqui não. Queremos demonstar que existem soluções híbridas e extremamente poderosas. Queremos mostrar que é possível fazer muitas coisas com tecnologia de excelente custo-benefício para o meio ambiente”, garantiu o piloto suíço.
Na expectativa de cruzar diversos países quando começar a volta ao mundo, Borschberg planeja incluir o Brasil na viagem – e não apenas para sobrevoar nosso território. “Sonhamos em trazer a aeronave para o Brasil em 2016, mas precisamos de parceiros. Esperamos também exibi-la aqui.” A iniciativa, garante ele, seria um sucesso: dezenas de milhares de pessoas se interessaram pela exposição da aeronave em lugares como Índia e China, além dos Estados Unidos. “O nível de interesse por práticas sustentáveis como essa é muito alto. Precisamos incentivar isso.”
Fonte: Terra