A Crise dos Semicondutores

O que são semicondutores?
Os semicondutores são materiais com propriedades elétricas intermediárias entre condutores (como o cobre) e isolantes (como a borracha). Isso significa que eles não conduzem eletricidade tão bem quanto os metais, mas também não impedem completamente a passagem da corrente elétrica. Essa característica permite que sejam usados para controlar o fluxo de eletricidade de maneira precisa, o que é essencial no funcionamento de dispositivos eletrônicos.
O principal material semicondutor usado na indústria é o silício, devido à sua abundância na natureza e à sua eficiência na condução controlada de eletricidade. Outros materiais, como o germânio e compostos como arseneto de gálio, também são utilizados em aplicações específicas.
Os semicondutores servem como base para a fabricação de componentes eletrônicos fundamentais, como transistores, diodos e circuitos integrados. Esses componentes, por sua vez, são os blocos de construção de praticamente todos os dispositivos eletrônicos modernos. Os transistores, por exemplo, funcionam como interruptores microscópicos que controlam o fluxo de corrente elétrica, permitindo operações lógicas e armazenamento de dados nos computadores.
Causas da Crise
A crise dos semicondutores, que ganhou visibilidade global a partir de 2020, é o resultado de uma combinação complexa de fatores econômicos, tecnológicos, geopolíticos e naturais. Essa crise afetou profundamente a produção de bens eletrônicos e industriais em todo o mundo, revelando a dependência crítica desse componente essencial.
Dentre as principais causas que geraram a crise, podemos destacar:
- Pandemia de COVID-19: O início da pandemia em 2020 desorganizou as cadeias globais de suprimentos. Muitas fábricas de semicondutores foram obrigadas a reduzir ou até suspender temporariamente suas atividades devido a restrições sanitárias. Ao mesmo tempo, portos foram fechados, o transporte internacional foi afetado, e a logística global ficou mais lenta e instável. Esse colapso temporário da produção coincidiu com um aumento inesperado da demanda por produtos eletrônicos;
- Aumento súbito da demanda : Com bilhões de pessoas em casa durante os lockdowns e devido à explosão do home office e do ensino a distância, a procura por laptops, tablets, videogames, roteadores e outros dispositivos eletrônicos aumentou mais de 25%. As empresas também aceleraram processos de digitalização, o que impulsionou a demanda por servidores, data centers e sistemas de comunicação. Essa explosão de consumo surpreendeu os fabricantes e pressionou uma indústria que já operava próxima da capacidade máxima;
- Eventos catastróficos : Além da pandemia e da geopolítica, outros eventos contribuíram pontualmente para a crise. Um incêndio em uma fábrica da Renesas no Japão (grande fornecedora para a indústria automotiva), uma tempestade de inverno no Texas que afetou fábricas da Samsung e a escassez global de contêineres de transporte agravaram os gargalos logísticos.
Concentração geográfica da produção
E para explicar o principal motivo da crise global, separamos este ponto que é central em toda a discussão:
A indústria global de semicondutores depende fortemente de poucos países para a produção dos chips mais avançados. Cerca de 70% da fabricação global de semicondutores está concentrada na Ásia, especialmente em Taiwan e na Coreia do Sul, que abrigam algumas das empresas mais tecnológicas e eficientes do setor. A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), por exemplo, é responsável por mais da metade da produção mundial de chips sob encomenda, incluindo os mais sofisticados utilizados em smartphones, computadores e servidores de inteligência artificial. Já a sul-coreana Samsung é líder tanto na produção de chips de memória quanto em semicondutores lógicos.
Essa concentração geográfica é resultado de décadas de especialização, investimento em pesquisa e desenvolvimento, mão de obra qualificada e infraestrutura de ponta. No entanto, apesar dos ganhos de eficiência e custo, essa centralização criou um risco sistêmico: qualquer interrupção localizada pode ter impactos globais. A cadeia de suprimentos fica exposta a uma série de vulnerabilidades, como desastres naturais, instabilidade política, tensões geopolíticas e até problemas logísticos.
Um exemplo concreto foi a seca severa que atingiu Taiwan em 2021. A produção de semicondutores exige grandes volumes de água ultra pura para lavar os wafers de silício durante o processo de fabricação. Com os reservatórios em níveis historicamente baixos, várias regiões do país enfrentaram racionamento, e fábricas tiveram que recorrer a alternativas como o transporte de caminhões-pipa para manter a produção — o que gerou atrasos e perdas. Outro exemplo foi a ameaça de instabilidade política entre China e Taiwan, que aumentou o temor de possíveis interrupções forçadas no fornecimento global de chips, caso um conflito ocorra. Além disso, problemas logísticos como congestionamentos portuários ou falta de contêineres também impactam fortemente a distribuição dos chips fabricados na Ásia. Como esses componentes são essenciais para produtos em todo o mundo — de carros a eletrodomésticos —, qualquer atraso no transporte causa efeito cascata nas cadeias produtivas de diversos setores.
Diante desses riscos, diversos países e empresas começaram a repensar sua dependência de poucos centros de produção. Estados Unidos, União Europeia, Japão e até o Brasil iniciaram planos de incentivo à produção local ou regional de semicondutores, buscando maior autonomia tecnológica e segurança nacional.
Tensões geopolíticas: uma disputa tecnológica com impacto global
Outro fator decisivo para a crise dos semicondutores foi o aumento das tensões geopolíticas, especialmente entre Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo. Essa rivalidade não é nova, mas se intensificou nos últimos anos com foco em tecnologia, segurança nacional e domínio industrial.
Os Estados Unidos passaram a ver o setor de semicondutores como estratégico e, por isso, adotaram medidas para limitar o avanço de empresas chinesas nesse campo. Um exemplo marcante foram as sanções impostas à Huawei, gigante das telecomunicações, e à SMIC, maior fabricante de chips da China. Essas sanções restringiram o acesso dessas empresas a tecnologias americanas, como software, equipamentos de fabricação e até mesmo máquinas essenciais fornecidas por parceiros europeus.
Essas restrições tiveram dois efeitos importantes. Primeiro, interromperam cadeias de fornecimento, já que várias empresas ao redor do mundo deixaram de fazer negócios com companhias chinesas para evitar punições. Segundo, forçaram a China a acelerar seus planos de autossuficiência tecnológica, com investimentos bilionários em pesquisa e construção de fábricas nacionais de chips. Esse movimento aumentou a demanda global por equipamentos de litografia, insumos químicos e maquinário de alta precisão, pressionando ainda mais uma cadeia que já operava no limite. Além disso, a incerteza causada por esse ambiente político instável fez com que muitas empresas começassem a estocar chips, temendo novas sanções ou restrições comerciais. Esse comportamento, conhecido como “overbooking” de pedidos, também contribuiu para o descompasso entre oferta e demanda no setor.
Impactos diretos da Crise dos Semicondutores
Alta nos valores
A crise global dos semicondutores gerou um aumento expressivo nos preços e provocou prejuízos generalizados em diversos setores industriais. Componentes que custavam R$ 1,80 antes da pandemia passaram a ser vendidos por até R$ 6,80, um aumento de 278%, impactando diretamente os custos de produção em empresas brasileiras como a Standard America e a Flex Industries. Além dos altos valores, os prazos de entrega também se multiplicaram, chegando a até 180 dias. Esse encarecimento e escassez forçaram fabricantes a repassar parte dos custos ao consumidor final, com estimativas de aumento de até 15% em celulares e eletrônicos.
A escassez, impulsionada pela explosão na demanda durante a pandemia, valorizou fortemente as ações de fabricantes como a TSMC, mas escancarou a fragilidade da cadeia global. Com novos investimentos em infraestrutura sendo planejados, como o pacote de US$ 50 bilhões do governo americano, especialistas estimam que a normalização do mercado levará pelo menos dois anos — evidenciando a necessidade de políticas industriais estratégicas, inclusive no Brasil, para mitigar a dependência externa e os impactos financeiros da crise.
Atraso nas pesquisas

A crise global de escassez de semicondutores atingiu até mesmo o Conselho Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), que opera o maior acelerador de partículas do mundo, o LHC. O problema surgiu justamente durante o período em que o LHC passou por uma pausa programada para um processo de modernização que visa ampliar sua capacidade operacional em dez vezes. Segundo representantes do CERN, entre 2022 e 2023 os fornecedores anunciaram queda na produção e aumento de custos, afetando parceiros em todo o mundo envolvidos no projeto.
Um desses parceiros é o Centro de Pesquisa e Análise de São Paulo (SPRACE), vinculado à Unesp, que colabora com o CERN no desenvolvimento de tecnologias para o detector CMS, usado na identificação do Bóson de Higgs. O pesquisador Luigi Calligaris, responsável por projetos financiados pela Fapesp, relatou que a escassez atrasou a entrega de componentes eletrônicos essenciais por mais de um ano, mesmo com pagamento antecipado. No entanto, a partir do final de 2022, ele observou sinais de recuperação na disponibilidade de peças, o que gerou a expectativa de retomada das atividades de prototipagem e montagem em 2023.
Perspectivas para o futuro
Diante da crise global e de sua importância estratégica, o setor de semicondutores se tornou uma das prioridades das potências mundiais e de economias emergentes. Para o futuro, espera-se uma ampla reconfiguração da cadeia de suprimentos, com maior descentralização da produção e investimentos massivos em inovação tecnológica. Países como Estados Unidos, Japão, União Europeia e Índia já anunciaram programas multibilionários para fomentar a fabricação local de chips, reduzir a dependência de mercados asiáticos e fortalecer a segurança nacional. Além disso, avanços tecnológicos em curso, como a miniaturização de transistores em escala nanométrica e a chegada dos semicondutores baseados em materiais alternativos ao silício (como o carboneto de silício e o grafeno), prometem aumentar a eficiência energética e a capacidade de processamento dos dispositivos. A emergência da inteligência artificial, da computação quântica e da internet das coisas também deve impulsionar a demanda por chips mais especializados, abrindo espaço para novas empresas e centros de pesquisa ao redor do mundo.
Leia mais em:
- Falta de chips afeta gigantes de tecnologia, e produto é disputado globalmente | CNN Brasil
- Entenda a crise global dos chips semicondutores – Olhar Digital
- Jornal da Unesp | Crise de escassez de semicondutores prejudica desde setor automotivo até programas de aceleradores de partículas, e tem disputa econômica entre EUA e China como complicador
- O que é a crise dos semicondutores e como ela afeta a indústria?