Cesar Lattes, o ‘primeiro’ Nobel brasileiro

Cesar Lattes, o ‘primeiro’ Nobel brasileiro

Cesare Mansueto Giulio Lattes foi um físico brasileiro que ficou famoso por ser o principal pesquisador no descobrimento do méson pi, uma partícula importante no mundo da física e que rendeu um prêmio Nobel.

Formação academica

Nascido em 11 de julho de 1924, Lattes iniciou sua educação com uma professora particular em Porto Alegre e posteriormente frequentou o Instituto Menegapi por seis meses. Entre 1934 e 1938, cursou o ensino médio no Colégio Dante Alighieri. Após seu pai intermediar conversas com o professor de Física da Universidade de São Paulo, Gleb Wataghin, Lattes graduou-se em física pela universidade aos 19 anos, em 1943, com notas excelentes e destacando-se no campo experimental. Ele faz parte de uma das gerações de físicos formados por Wataghin, que inclui nomes como Mário Schenberg, Marcelo Damy de Souza Santos, Jayme Tiomno, Oscar Sala e Sonja Ashauer.

Méson pi e sua descoberta

Graças ao seu professor Occhialini, Lattes viajou para a Inglaterra, onde começou a trabalhar no H. H. Wills Laboratory da Universidade de Bristol, sob a direção de Cecil Frank Powell, recebendo uma bolsa de 15 libras por mês. Após aprimorar uma nova emulsão nuclear utilizada por Powell, solicitando à empresa britânica Ilford que adicionasse boro a ela, Lattes fez uma importante descoberta experimental em 1947. Com o auxílio dessas chapas modificadas, identificou uma nova partícula atômica, o méson π (ou pion). 

O méson π  é uma partícula subatômica composta por um quark e um antiquark, ambos de sabor diferente (um quark up e um antiquark down). Ele é um bóson mediador da interação forte, responsável por manter os núcleos atômicos coesos,  uma partícula crucial para nossa compreensão da estrutura e interações fundamentais da matéria, desempenhando um papel central na física de partículas e na compreensão do Universo em escalas subatômicas.

O contexto histórico dessa descoberta remonta a um período de férias de Giuseppe Occhialini, que foi esquiar nos Pic du Midi, na França, e levou consigo chapas fotográficas para serem expostas à radiação cósmica. Ao retornar e analisar as chapas ao microscópio, Occhialini consultou Lattes, que já havia trabalhado na padronização da identificação de traços visuais deixados por partículas carregadas em chapas fotográficas, desde sua chegada a Bristol em 1946. Lattes, sem hesitar, identificou os traços como sendo provocados pela passagem de mésons, distinguindo-os dos traços com os quais estava familiarizado. No mesmo ano, Lattes foi responsável pelo cálculo da massa da nova partícula, em um meticuloso trabalho. Um ano depois, enquanto colaborava com Eugene H. Gardner na Universidade da Califórnia em Berkeley, Lattes detectou a produção artificial de partículas píon no cíclotron do laboratório, ao bombardear átomos de carbono com partículas alfa.

Polemica no Prêmio Nobel

Embora Lattes tenha sido o principal pesquisador e primeiro autor do histórico artigo da Nature, descrevendo o méson pi, Cecil Powell foi o único agraciado com o Prêmio Nobel de Física em 1950, pelo seu desenvolvimento de um método fotográfico de estudo dos processos nucleares e sua descoberta que levou ao descobrimento dos mésons. A razão para esta aparente negligência é a política do Comitê do Nobel, que até 1960 era de premiar somente o líder do grupo de pesquisa. Em 2001, durante uma entrevista para o Jornal da Unicamp, Lattes mencionou o fato de não ter ganhado o Nobel de Física:

“Sabe por que eu não ganhei o prêmio Nobel? Em Chacaltaya, quando descobrimos o méson-pi, se publicou: Lattes, Occhialini e Powell. E o Powell, malandro, pegou o prêmio Nobel pra ele. Occhialini e eu entramos pelo cano. Ele era mais conhecido, tinha o trabalho da produção de pósitrons, em 1933. Depois fui para a Universidade da Califórnia, onde foi inaugurado o sincrociclotron, em 1946. Já era 1948 e estava produzindo mésons desde que entrou em funcionamento em 1946, tinha energia mais que suficiente. Então, detectamos, Eugene Garden e eu, o méson artificial, alimentando a presunção de retirar do empirismo todas as pesquisas que se relacionassem com a libertação da energia nuclear. Sabe por que não nos deram o Nobel? Garden estava com beriliose, por ter trabalhado na bomba atômica durante a Guerra, e o berílio tira a elasticidade dos pulmões. Morreu pouco depois e não se dá o prêmio Nobel para morto. Me tungaram duas vezes.”

Na sua última entrevista, concedida à revista Superinteressante em 2005, Lattes voltou a mencionar o episódio do Nobel de Física de 1950:

“Apesar de a comissão julgadora ser formada por ingleses, acredito que não foi minha nacionalidade que pesou na decisão do vencedor. Tanto na descoberta do méson pi, em 1946, como na sua criação artificial, em 1948, tive colaboração do Giuseppe Occhialini. Quem deveria ter ganhado era ele. E, em 1950, quem levou o prêmio foi o Cecil Powell, que também participou do trabalho. Mas deixa isso para lá. Esses prêmios grandiosos não ajudam a ciência.”

Legado

Lattes é um dos mais destacados e homenageados físicos brasileiros e seu trabalho foi fundamental para o desenvolvimento da física atômica. Foi também um grande líder científico da física brasileira e uma das principais personalidades por trás da criação do importante Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil . Por sua contribuição nesse processo, a Unicamp decidiu homenageá-lo denominando sua biblioteca central como “Biblioteca César Lattes”. Além disso, o banco de dados científico nacional brasileiro, a Plataforma Lattes, também foi batizada em sua homenagem, bem como o “Currículo Lattes”, que registra a produção acadêmica e profissional de pesquisadores, professores e estudantes no Brasil.

Lattes também recebeu várias honrarias ao longo de sua vida, dentre elas destacam-se o título de Cavaleiro da Grande Cruz, outorgado pela Ordo Capitulares Stellae Argentae Crucitae (1948); Prêmio Einstein, da Academia Brasileira de Ciências (1951); o Prêmio Ciências, do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (1953); o Prêmio Evaristo Fonseca Costa, do Conselho Nacional de Pesquisas (1957); Cidadão Honorário da Bolívia (1972); a Medalha Carneiro Felipe, do Conselho Nacional de Energia Nuclear (1973); a Medalha dos 25 anos da SBPC (1973); o Prêmio Moinho Santista – Física (1975); a Comenda Andrés Bello, outorgado pelo Governador da Venezuela (1977); o Prêmio Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (1978); o Prêmio em Física, da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, sediada em Trieste, Itália (1987); a Medalha dos 40 anos da SBPC (1988); a Medalha Santos Dumont (1989); e o Símbolo do Município de Campinas (1992). Além dessas honrarias, Lattes é nome de logradouros e edifícios em algumas cidades e universidades brasileiras.
César Lattes foi tema do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 1947. A música Ciência e Arte foi uma parceria de Cartola e Carlos Cachaça e rendeu o vice-campeonato à escola. A canção foi regravada em 1999 por Gilberto Gil no álbum Quanta Live, premiado com o Grammy na categoria World Music.

Thiago Munck