Valetrônica: a nova eletrônica do grafeno

Redação do Site Inovação Tecnológica – 23/05/2011

A estrutura de banda do grafeno, com seus dois vales, é mostrada em azul e vermelho.

Anote mais um termo em seu cinto de utilidades futuras: valetrônica.

Há cerca de um ano, cientistas estudavam o promissor grafeno quando descobriram que inserir “defeitos” intencionais em sua estrutura pode permitir a criação de componentes eletrônicos menores e mais rápidos.

Mas Daniel Gunlycke e Carter White descobriram que pode ser mais fácil aproveitar defeitos que ocorrem naturalmente, produzindo comportamentos discretos ao longo da folha de grafeno.

Esses defeitos geram vales – daí o nome valetrônica – nas bandas de condução e de valência do grafeno

Elétron, spin e vale

Na eletrônica convencional, o processamento dos dados binários se baseia nas cargas elétricas, representadas pelos elétrons (carga negativa) e lacunas (carga positiva).

Os dados podem ser gravados também no spin de cada elétron individual, o que fez surgir o campo da spintrônica. Ao contrário da eletrônica, que se baseia na corrente elétrica, a spintrônica usa correntes ou tensões para controlar o spin do elétron, fazendo-o apontar num ou noutro sentido – um efeito de magnetização, portanto.

Os cientistas, porém, descobriram que há um outro grau de liberdade em determinados cristais, incluindo o grafeno.

Novo número quântico

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O colorido destaca a extensa linha de defeito que surge no grafeno, e que pode ser aproveitada como um filtro de vales.

A banda de condução está na base das principais características de qualquer sólido cristalino – ela dita todas as propriedades do material que envolvem os elétrons, incluindo sua condução, não-condução ou semi-condução, ou a cor da luz que o material emite e absorve, por exemplo.

No grafeno, essa banda não é homogênea, mas repleta de vales, provavelmente devido a flutuações térmicas no material.

Na prática, isso significa que há um outro número quântico caracterizando o grafeno, associado com a intensidade desse vale. Esse “índice de vale” equivale a um momento magnético – distinto, mas similar ao spin.

O interesse nesse novo número quântico é crescente entre os pesquisadores porque os primeiros estudos indicam que o momento magnético de um vale no grafeno é pelo menos 30 vezes mais forte do que o momento magnético do spin do elétron – ou seja, um efeito com grande potencial para aplicações práticas, em substituição à eletrônica e eventualmente complementar à spintrônica.

Na verdade, como não há analogia entre a nascente valetrônica e a eletrônica baseada no silício, é difícil prever as possibilidades de exploração dos vales do grafeno.

Polarização pelo vale

Em 2007, cientistas demonstraram que, assim como é possível filtrar os spins dos elétrons, gerando uma corrente polarizada pelo spin – uma corrente elétrica cujos elétrons têm todos a mesma orientação – igualmente é possível filtrar tanto os elétrons quanto as lacunas (cargas positivas) de acordo com o vale que eles ocupam.

Infelizmente, as estruturas exigidas para construir um filtro de vales são muito difíceis de fabricar. Como resultado, um filtro de vales ainda está por ser demonstrado experimentalmente.

Agora, os dois pesquisadores descobriram que uma linha defeituosa ao longo da malha do grafeno – um defeito que surge naturalmente e é bastante comum nas folhas de grafeno – funciona como um filtro de vales natural.

“Como a estrutura já está disponível, estamos esperançosos de que correntes polarizadas pelo vale possam ser geradas no futuro próximo,” diz Gunlycke.

Os vales da valetrônica

Dependendo da simetria, os elétrons e lacunas são transmitidos ou refletidos.

O termo “vale” refere-se a depressões de energia na estrutura de banda, que descreve a energia dos elétrons (que são ondas) permitidas pela simetria do cristal.

No grafeno, essas regiões formam dois pares de cones.

Como um grande momento cristalino separa os dois vales, esse grau de liberdade chamado vale é muito resistente contra variações lentas de potencial, incluindo o espalhamento causado por fónons acústicos de baixa energia – esse espalhamento faz com que materiais com as mesmas características só funcionem em temperaturas criogênicas.

A polarização pelos vales é obtida quando elétrons e lacunas em um vale são separados espacialmente dos elétrons e lacunas de outro vale. Isto é difícil de se fazer porque os dois vales têm a mesma energia.

Os pesquisadores agora descobriram, porém, que essa separação espacial pode ser obtida em estruturas de grafeno que possuam uma simetria de reflexão ao longo de uma direção cristalográfica específica, sem ligações que cruzem a simetria.

É essa propriedade que está presente na linha de defeito encontrada no grafeno.

A simetria de reflexão somente permite que ondas eletrônicas (elétrons) simétricas passem através da linha de defeito – as ondas anti-simétricas são refletidas.

Os pesquisadores calculam que elétrons e lacunas que se aproximem dessa linha de defeito com um grande ângulo de incidência serão polarizados com uma eficiência próxima aos 100%.

Rumo à valetrônica

Os cientistas alertam que ainda há um longo caminho a ser percorrido antes que a valetrônica se torne uma tecnologia viável.

Este avanço agora obtido, contudo, representa um caminho realístico para que se possa aproximar bastante dessa viabilização prática.

Bibliografia:

Graphene Valley Filter Using a Line Defect
Daniel Gunlycke, Carter T. White
Physical Review Letters
Vol.: 106, 136806 (2011)
DOI: 10.1103/PhysRevLett.106.136806

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Fonte: Inovação Tecnológica

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