Transformando calor em energia elétrica

O que aconteceria se cada de litro de gasolina nos carros fizesse hora extra, e com isso gerasse até eletricidade? Esta é a idéia por trás dos sistemas de recuperação de calor desperdiçado. Uma jovem empresa de San Francisco, chamada Alphabet Energy, está tentando usar este conceito, criado há algumas décadas, de gerar energia a partir de calor capturado e usá-lo em larga escala, com uma ajudinha da nanotecnologia e da indústria de semicondutores.

A Alphabet quer criar um chip termoelétrico que possa ser inserido em canos de escapamento ou motores, para converter calor em energia elétrica, e assim se tornar a “Intel do calor desperdiçado”, de acordo com Matt Scullin, presidente e cofundador da empresa.

Um dispositivo termoelétrico pode usar calor para produzir energia sem precisar de partes móveis, do mesmo modo que uma célula fotovoltaica cria energia a partir da luz. É baseado no princípio bem conhecido que os elétrons podem ser movido através de uma material pelo calor.

Segundo a Alphabet, a inovação está na escolha do material e na tecnologia proprietária que dá ao dispositivo uma baixa condutividade termal, fazendo com que ele seja propício ao uso miniaturizado e em larga – indo de aparelhos pequenos a grandes instalações industriais. O chip então pode ser ligado ao sistema elétrico, e o alimenta de energia gerada pelo calor em tempo real.

Com apenas um ano de idade, a Alphabet tem o objetivo ambicioso de liderar o que pode seus líderes acreditam ser um mercado de 200 bilhões de dólares. Seus esforços fazem parte de um movimento maior de pesquisadores, empreendedores e associações empresariais que querem fazer uso do calor que é desperdiçado por fábricas, usinas de energia, carros e até mesmo notebooks. Nos Estados Unidos, o governo tem se mostrado alheio a essa movimentação, diz Scullin.

Mas recentemente, um grupo de legisladores liderados pelo deputado democrata Paul Tonko, de Nova York, introduziu um projeto de lei que pode criar um crédito tributário de 30% em quem investir na instalação de sistemas de recuperação de calor desperdiçado em indústrias.

Mais produtividade
A oportunidade pode ser imensa. De acordo com um relatório de 2008 do Laboratório Nacional de Oak Ridge, mais de dois terços do combustível usado nos Estados Unidos para produzir energia é desperdiçado como calor. Na verdade, o país tem a menor produtividade energética entre todo o Primeiro Mundo.

Esse tipo de tecnologia tem mais de um século, explica Tom Casten, da Recycled Energy Development, uma empresa que pretende reformar grandes plantas industriais para converter seu calor desperdiçado em eletricidade e energia termal, para vendê-la ao sistema elétrico local.

Por exemplo, sistemas de cogeração (também chamados de combinação de calor e energia), podem gerar eletricidade ou força mecânica com calor em uma fábrica que necessite de energia térmica, ou transforme a energia desperdiçada em ambos. Em 2008, os pesquisadores do Oak Ridge relataram que os 3.300 locais que contam com cogeração nos Estados Unidos responderam por quase 9% da capacidade de geração de energia do país, e pediram que se estabelecesse uma meta de 20% para esse percentual – um valor já alcançado por alguns países da Europa.

Em 2008, a cogeração respondeu por mais da metade da produção nacional de energia na Dinamarca, quase 40% na Finlândia e mais de 30% na Rússia, de acordo com o estudo do Oak Ridge.

Um dos impeditivos da tecnologia nos Estados Unidos é que a regulamentação do setor não permite que instalações industriais lucrem com ganhos de eficiência – é obrigatório repassar essa economia ao consumidor, o que desestimula investimentos. Além disso, o regime tributário da União Europeia faz com que conservação e eficiência de energia sejam mais economicamente, interessantes, diz Casten.

Apesar disso, existem muitas empresas além da Alphabet tentando entrar neste mercado. Algumas startups, como a Nextreme, da Carolina do Norte, estão trabalhando com dispositivos termoelétricos. Muitas instituições acadêmicas estão pesquisando a tecnologia e corporações como General Motors e General Eletric têm programas de desenvolvimento, segundo Scullin.

Preços mais baixos
Mas a Alphabet aforma que pode abaixar os preços de maneira radical, porque usa um material relativamente abundante e de baixo custo, mas que normalmente não seria um semicondutor termoelétrico eficiente. A companhia usa tecnologia desenvolvida pelo Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley para adaptar o material e baixar sua condutividade térmica, o que, basicamente, faz com que ele produza mais eletricidade com menos calor.
Embora a Alphabet acredite que as aplicações iniciais de sua tecnologia serão em ambientes industriais, a ambição é fazer caminho para a reciclagem de energia em cenários mais variados, como celulares ou carros. Mas Scullin deixou claro que a comercialização da plataforma em aplicações móveis ainda está nas fases iniciais.

O chip é produzido de maneira simialar aos microchips de aparelhos eletrônicos. Pegar carona na economia de escala da indústria de semicondutores vai permitir que a empresa corte custos a ponto de permitir a instalação de sistemas “por menos de um dólar por watt,” segundo Scullin. Alguns dos sistemas de recaptura de calor desperdiçado disponíveis custa duas ou três vezes mais que isso.

Dependendo da quantidade de calor, composição química e temperaturas de um sistema de exaustão industrial, a tecnologia da Alphabet pode se pagar em dois a três anos. A empresa pretende montar um sistema piloto em uma fábrica no ano que vem, para começar a competir por clientes em 2012. Até agora, os clientes potenciais são corporações multinacionais.

Enquanto combustíveis fósseis e fontes renováveis de energia têm subsídios do governo americano, Scullen diz que a falta de incentivos para sistema de recuperação de calor desperdiçado se traduz no desencorajamento de investimentos em eficiência energética.

A proposta do deputado Paul Tonko pode mudar isso. Casten, da RED, disse que incentivos fiscais podem ser um passo importante para acelerar a adoção da tecnologia. “Existem 95 modos comprovados de reciclar energia. Abra a porta a eles, “ removendo barreiras regulatórias , diz “e investidores poderiam financiar mais 15 empresas como a Alphabet Energy”.