Eficiência energética: faltam projetos na indústria
Por Isabel Gardenal, do Jornal da Unicamp – O setor industrial brasileiro não está crescendo por igual, a taxa de juros praticada é alta e faltam investimentos em projetos de eficiência energética pelas indústrias, sobretudo as pequenas e médias empresas, o que vem gerando uma baixa performance nos programas nacionais de incentivo à melhoria dessa eficiência. A indústria passa por momentos críticos e a importação de bens duráveis parece ser, para muitas empresas, a melhor opção para um câmbio desfavorável. Ocorre que esta é uma solução de curto prazo. Talvez a solução mais viável seja diversificar lançando novos produtos.
“Tal processo não é simples, pela falta da cultura de inovação. Mas a sua convergência pode estar em projetos de eficiência energética, pois a simples substituição de um equipamento antigo por um mais eficiente pode motivar a aquisição de outros, além de processos, contratação de pessoal qualificado e aumento de empréstimos bancários”, sustenta o engenheiro eletricista Jim Silva Naturesa. Essa conclusão está na sua tese de doutorado, recentemente defendida à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) sob orientação do professor Carlos Alberto Mariotoni.
O uso eficiente da energia, explica o pesquisador, consiste em usar menos energia por unidade produzida, levando-se em consideração restrições sociais, econômicas e ambientais. O procedimento diminui a necessidade de expansão do setor elétrico, postergando altíssimos investimentos em grandes obras de geração de energia, como hidrelétricas, termoelétricas, etc.
Jim propôs em seu trabalho a relação entre eficiência energética, política industrial e inovação tecnológica. Este pode ser o ‘caminho das pedras’, segundo o autor da tese. Em sua opinião, contudo, as pequenas e médias empresas desconhecem como inovar, apesar de sentirem necessidade de incluir este item nas suas ações, principalmente para fazer frente à concorrência externa. Por outro lado, entende que o mercado interno não é capaz de absorver tudo o que é produzido. “Sobressairá a empresa que criar um produto de fato novo.”
Uma forma de entrar em contato com a inovação tecnológica é realizando pequenos projetos de eficiência energética, comenta o engenheiro. “Para mim, está claro ainda que eles dependem de incentivos, que atualmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) são os seus grandes financiadores e que é fundamental uma política industrial.”
É como se a empresário pegasse a planta de sua empresa para observá-la, substituindo equipamentos obsoletos por novos. De certa forma, elas são habilitadas a ir arriscando mais até chegar à tão esperada inovação. No início, cria-se um processo novo para a empresa e, em seguida, um produto novo para o mercado. A sugestão do engenheiro é que isso seja feito par e passo via eficiência energética.
Mas o que afinal se faz para ter um programa nacional de eficiência energética? Hoje se fala muito nisso e é possível verificar múltiplas obras de geração de energia elétrica, invariavelmente no Norte do país, em regiões próximas às usinas do rio Madeira. Seria preciso produzir tanta energia para conseguir atender a população? Jim garante que somente em parte – não com a voracidade atual, que já dá mostras de esbarrar em gargalos como a falta de mão de obra especializada e de infraestrutura.
De acordo com os cenários para eficiência energética elaborados recentemente pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), se apenas mantidos os investimentos nesses programas, o país economizará entre 3,5% e 5,35% do total de energia elétrica destinada à indústria em 2020 e entre 4,71% e 8,68% em 2030.
O pesquisador elenca que esse processo pode ocorrer ou por meio de gestão ou por meio de mudança da cultura da empresa. É possível ainda partir para projetos de eficiência, substituindo iluminação, motores antigos, parte de aquecimento, de refrigeração e de ar-condicionado.
O programa de eficiência energética nacional, revela Jim, está alicerçado em duas bases: uma encabeçada pela Eletrobras – mediante o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel); e outra envolvendo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), denominado Programa Anual de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica (PEE), que obriga as distribuidoras de energia a aplicarem 0,5% da sua receita operacional líquida em ações de eficiência energética.
No caso das distribuidoras de energia, suas ações são hoje mais voltadas à classe popular para substituir lâmpadas incandescentes por fluorescentes e geladeiras antigas por novas. Tais ações são limitadas, conforme o pesquisador, porque atingem unicamente uma parcela da população, enquanto a ação do Procel, via Eletrobras, mais desenvolvida, relaciona-se a programas tanto de saneamento, indústria, residencial, entre outros.
Recursos – O engenheiro direcionou seus estudos para as pequenas e médias empresas. Facilmente detectou que as grandes empresas já trazem em sua filosofia a cultura da inovação tecnológica, incentivando projetos de eficiência, contrariamente às pequenas e médias – o que chama atenção é que elas gastam proporcionalmente mais com energia elétrica do que as grandes.
Todavia, projetos custeados pelo PEE são encontrados mais pontualmente no estado da Bahia. Ali são substituídos vários eletrodomésticos, a priori geladeiras. Ocorre que o volume desse recurso é sobremodo elevado. “Obtendo-se 5% da receita bruta, seria preciso trocar muita geladeira para usar todo esse recurso. A ação teria inclusive que se estender a outros segmentos”, aponta o pesquisador.
Ao analisar na FEC projetos ligados a saneamento básico, Jim notou que existem grandes empresas nessa área e, não raro, desperdício – não somente de água, mas também de energia elétrica. Gasta-se muita energia fazendo o bombeamento de água para as estações elevatórias e em horário inadequado, quando o preço é maior. Em geral, os equipamentos – motobombas – estão sobredimensionados, não exigindo toda essa potência.
O racionamento de energia de 2001, retoma ele, colaborou para divulgar conceitos de eficiência energética à população. Não obstante a imposição da iniciativa, criaram-se ações para reduzir o consumo, fazendo-se a substituição de lâmpadas e equipamentos. “A cultura de reduzir não se manteve por muito tempo, e a cada ano o preço do quilowatt-hora aumenta (e as pessoas pagam). Isso é mais comum do que se pensa.”
O pesquisador comenta que, ao comprar lâmpadas, há duas opções: adquirir a incandescente, que custa em torno de R$ 2,00, ou a eletrônica, que custa cerca de R$ 10,00. Acaba-se optando pela compra de R$ 2,00. Acontece que 90% da energia dessa lâmpada incandescente, esclarece o engenheiro, é dissipada na forma de calor, não na forma de luz – que é o que se pretende. Já a lâmpada eletrônica tem um custo elevado – convertendo de 70% a 80% da energia em luz, embora dure mais.
Infelizmente no Brasil não se desenvolveu a cultura de pagar um pouco mais pelo equipamento, mesmo sabendo que ele vai gerar redução do consumo de energia, qualidade e durar mais. No médio e longo prazo, a opção é sempre por um produto com uma eficiência energética maior, ao passo que, no curto prazo, as pequenas e médias empresas escolhem o menor preço e eficiência inferior. Isso porque o tempo de retorno, para o produto mais caro, pode demorar de dois a três anos. Para eles, esse é um prazo muito dilatado.
Nas décadas de 1980 e 1990, relembra o engenheiro, houve inflações impensáveis mês a mês e diversos planos econômicos no Brasil, o que acabou trazendo incertezas e contaminando o pequeno e o médio empresário. Em países como os Estados Unidos, grandes projetos de eficiência energética vogam desde a década de 1990, o mesmo ocorrendo na Europa.
Os relatórios europeus são muito claros em delinear que é preciso investir em projetos de eficiência primeiramente, isso porque no longo prazo os benefícios virão, e segundo porque de certa forma como a matriz deles – como é o caso da França, que tem quase 80% da energia gerada via usinas termonucleares – propaga o tempo de entrada das usinas, caminhando a reboque da economia dos EUA, que já está fazendo isso. O produto deles acaba saindo com um custo de produção menor. Na América Latina, o modelo de eficiência energética é o Brasil, ainda que aquém do esperado, avalia Jim.
Uma de suas propostas é levar às pequenas e médias empresas a importância de projetos como esse pois, além da parte de eficiência energética, elas compreenderiam como trilhar a inovação tecnológica. “Todo investimento que fazem acaba sendo com recurso próprio, fato histórico no Brasil, que demonstra aversão a riscos. Acham mais fácil alocar o recurso delas do que pegar emprestado.”
De outra via, perdem de interiorizar o conceito de inovação, que envolve correr riscos calculados sem deixar de investir. Para o engenheiro, esse investimento teria que ser vinculado à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). “Esses órgãos articulariam um grande projeto, desenvolvido tanto pelas empresas especializadas quanto pelas universidades, fazendo a ponte universidade-empresa”, sugere o pesquisador.
Ele conta que há iniciativas nessa linha sem vínculo com a eficiência energética. “O ideal seria captar recursos alocados em inovação tecnológica para aplicar em projetos de eficiência energética. Deste modo, para o pequeno empresário, qualquer projeto que tivesse como foco o aumento dessa eficiência, para ele seria um projeto de inovação tecnológica. É o jeito dele ter contato com novos equipamentos e tecnologias, e poder criar uma equipe para atuar”, constata.
A proposta de relacionar eficiência energética, política industrial e inovação tecnológica não é inédita, demarca Jim, porém inovadora. As pequenas empresas estão muito distantes do conceito de inovação defendido por ele, como qualquer processo novo ou ação que vá beneficiar a empresa. Sua tese derruba por terra a ideia de projetos monumentais de geração de energia, via Jirau, Belo Monte e as usinas do rio Madeira – aquelas grandes obras como Itaipu.
Para ampliar a geração de energia elétrica, normalmente de 5% ao ano, na verdade bastaria que ela crescesse acompanhando os patamares do Produto Interno Bruto (PIB). Inicialmente, é possível ter algo em torno de 1% decorrente de projeto de eficiência. Não é, todavia, coisa para cinco anos. Talvez para dez anos. Este é um dado curioso. Outro dado é que as políticas industriais brasileiras, avaliando-se a nova política industrial (PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo), são mais focadas em setores específicos, como ocorreu com a redução do IPI para os automóveis. Dificilmente se pensa numa linha mestra para abraçar setores diversos, expõe o engenheiro.
Fonte: Ambiente Energia