Brasil avança em robótica mas ainda sofre com infraestrutura
Déborah Salves.
Nos últimos dez anos, o Brasil deu um salto no que diz respeito à tecnologia robótica, mas ainda sofre – e é possível que a situação se mantenha assim por algum tempo – com a falta de infraestrutura. Segundo especialistas do segmento, a dificuldade de conseguir componentes é um dos principais problemas enfrentados pelos desenvolvedores de robôs, o que acarreta em lentidão na melhoria da tecnologia e encarecimento das pesquisas.
Apesar dessas questões, Marco Antonio Meggiolaro, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entende que o País avançou mais do que outras nações na área. “A robótica teve crescimento no mundo todo, mas aqui foi ainda mais, porque há 20 anos existiam poucas pesquisas práticas”, justifica. Um dos motivos seria o crescimento das indústrias de microeletrônica no mundo, o que teria levado a um barateamento geral dos componentes, mesmo quando importados, tornando-os mais acessíveis aos pesquisadores.
Além disso, o segmento tem crescido em importância no País, tanto no meio acadêmico quanto no industrial. “Em virtude do pré-sal, por exemplo, existe demanda nos setores de robótica e automação, que têm papel importante e vão ter cada vez mais”, avalia o professor Marco Henrique Terra, coordenador do Centro de Robótica da Universidade de São Paulo (USP) – o primeiro do Brasil -, em São Carlos.
Em uma nação com o tamanho do Brasil, a robótica aérea também ganha relevância, pela necessidade de monitoramento de fronteiras seca e litorânea, entre outros motivos. “O País, antes de mais nada, desponta como economia importantíssima já há alguns anos, e essa tendência é de crescimento, o que em um cenário mundial impõe que nossa segurança seja cada vez melhor”, pondera Terra.
“É um mercado promissor para o Brasil, e inclusive já existe um nicho importante, que deve manter esse status”, opina o professor da USP. Ele lembra que no País há empresas trabalhando nos chamados UAV, sigla em inglês para aeronaves não-tripuladas, e que a combinação de desenvolvimento interno com acesso a tecnologia de ponta são importantes para os produtos que estão sendo desenvolvidos e que ainda serão, no futuro.
Na opinião do professor Anderson Harayashiki Moreira, do Núcleo de Robótica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), de São Paulo, o cenário brasileiro atual tem duas principais áreas de desenvolvimento de robótica. A industrial inclui essencialmente os autômatos que fazem pintura, solda e montagem de carros e aviões, com alguma aplicação também na indústria alimentícia. A robótica móvel, que na última década é a que mais tem apresentado progresso, inclui os humanoides – como o NAO, que interpretou o personagem Zariguim na novela Morde & Assopra – e modelos “à la aspirador de pó”, bem como os UAVs.
No caso da robótica industrial, continua Moreira, o conhecimento mais consolidado leva as pesquisas a se focarem em ampliar a precisão dos autômatos e em facilitar sua programação. Já a robótica móvel atrai pela possibilidade de deixar aos robôs algumas tarefas do dia a dia, o que se expande da faxina da casa a atividades insalubres – como procurar sobreviventes em áreas de desastre, por exemplo.
Para Meggiolaro, os veículos robóticos, não só os aéreos mas também os que se movem sobre rodas e esteiras, são uma das áreas em que o Brasil tem acompanhado os desenvolvimentos percebidos no mundo. “A pesquisa na questão da inteligência é complexa, mas a parte mecânica não exige tanta precisão quanto no caso dos braços robóticos, o que permite que o que criamos aqui tenha um custo competitivo em relação ao que é feito lá fora”, argumenta.
Os avanços estariam, para o professor da PUC-Rio, principalmente na área de controle dos robôs, que envolve atividades como andar sozinho sem controle remoto, tomar decisões e criar mapas do ambiente, por exemplo. “É um campo que cresceu muito, principalmente por causa do estimulo à pesquisa”, opina. O investimento seria resultado, entre outros fatores, da percepção da indústria de que a robótica pode ajudar na produtividade.
Investimentos
Moreira, do IMT, cita a Petrobras como uma das grandes investidoras do setor. Apesar de ter um centro de pesquisas de robótica próprio, a empresa não dá conta de desenvolver todas as soluções de que necessita sozinha, e patrocina pesquisas em parceria com universidades. “A faculdade entra com a mão de obra intelectual, enquanto a Petrobras e órgãos de fomento fornecem a verba, em geral para que se busquem formas de resolver situações específicas”, ilustra, citando os robôs que monitoram os tubos de transporte de gás e petróleo entre os autômatos usados pelo setor.
Mas, para Terra, da USP, ainda seria preciso aumentar os investimentos em robótica, “principalmente na criação de produtos com aplicações em setores onde a economia brasileira é forte e continuará sendo promissora, como a agricultura”. Os UAVs, por exemplo, podem servir para mapeamento de pragas, monitoramento ambiental e pulverização de grandes áreas de plantio, entre outras funções, o que aumentaria a produtividade do segmento.
Terra acredita que tanto setor privado quanto a iniciativa pública têm “feito o que podem” para o desenvolvimento. “O governo federal, principalmente, tem sinalizado que a tendência é de aumento de investimentos na área de robótica, no intuito de que a economia brasileira se torne mais competitiva”, afirma.
Para ele, a robótica no mundo tem se diversificado, estendendo-se agora aos setores de entretenimento e segurança, entre outros. O Brasil tentaria acompanhar essa tendência, dentro de suas limitações, na visão do coordenador do Centro de Robótica da USP. “Não é fácil produzir e competir em um setor com desenvolvimento bastante intenso”, alerta Terra, que pondera, por outro lado, que o País tem feito pesquisas, o que abre a possibilidade de investimentos. “Principalmente na robótica aérea, em que o Brasil tem acompanhado a inovação e sabe em que segmentos investir”, afirma.
Gargalos
Apesar dos avanços, alguns gargalos impedem o País de crescer mais na robótica. A infraestrutura é apontada pelos professores como o principal limitador dos desenvolvimentos. “Temos dificuldade de acesso a satélites com sinais confiáveis, por exemplo, que nos permitiriam testar o controle dos robôs de forma eficiente”, cita Terra. O professor da USP ainda lembra que há vários setores complementares da cadeia produtiva que precisam receber investimentos, como as áreas de circuitos, mecânica fina, mecânica de componentes de alta precisão, e mini e microcomponentes.
O coordenador do primeiro Centro de Robótica nacional ainda fala de semicondutores, importados. “O Brasil tem tentado há anos trazer uma indústria de microeletrônica e tem tido dificuldade, mas é um exemplo de quão complicado é o desenvolvimento industrial como um todo para dar suporte à indústria de robótica”, comenta. “Existem condições que devem ser preenchidas para viabilizar determinadas tecnologias de ponta, e o Brasil tem uma indústria ainda bastante limitada para setores que são fundamentais ao desenvolvimento da robótica”, resume.
O resultado dessas limitações é que muitos componentes precisam ser importados, o que encarece a pesquisa e o desenvolvimento – e, em consequência, prejudica a competitividade de tecnologia criada no País. “Existe uma série de sensores absolutamente fundamentais para medir a posição de um robô, por exemplo os UAV, e que temos de importar”, cita Terra.
Segundo o professor da USP, universidades e empresas brasileiras têm se preocupado em desenvolver sensores para a área de robótica, mas ainda deve levar alguns anos até que se consiga produzir em terras verde-amarelas alguns componentes essenciais do setor. “À medida que a economia vai crescendo, o Brasil tem condições de a médio e longo prazo ter esses materiais”, avalia. Para Meggiolaro, o investimento em infraestrutura é mais presente em empresas que desenvolvem soluções específicas, de acordo com a demanda de certas indústrias. Esse volume, no entanto, ainda não justifica a fabricação em massa dos componentes necessários.
Outro problema de não ter a infraestrutura necessária no País é a demora em conseguir os componentes. “Nos EUA, se falta uma peça os pesquisadores conseguem recebê-la no dia seguinte”, exemplifica Terra, da USP. Moreira, do IMT, lembra que há trâmites legais de importação, o que significa que mesmo quando há verba disponível para a compra do material é preciso esperar de dois a três meses até recebê-lo no laboratório. Mais do que isso, Meggiolaro, da PUC-Rio, afirma que às vezes é preciso experimentar, “e se a peça importada, quando chega, não atende às necessidades, é preciso iniciar outro processo de importação, ou mudar o projeto”.
Além disso, Terra lembra que os investimentos que Japão e Estados Unidos – líderes em robótica – fazem no segmento são muito superiores aos brasileiros, também pela situação econômica diversa das três nações. “O acúmulo de conhecimento científico e tecnológico para desenvolver tecnologias de robótica também é um problema”, aponta, indicando que determinados produtos são mais vantajosos de serem importados. “Existem multinacionais que investem espetacularmente mais e não faz sentido não comprar equipamentos dessas empresas”.
Formando especialistas
Uma das estratégias para tentar superar as dificuldades é o investimento em capital humano. As empresas estariam buscando talentos e trabalhando em parceria com universidades. “E a universidade tem auxiliado na formação de quadros, e essa interação entre instituições de ensino e setores de desenvolvimento tem sido produtiva”, afirma o coordenador de Centro de Robótica da USP.
Moreira, do IMT, levanta que a qualidade técnico-científica do Brasil já está, em alguns setores, à altura de outros países que iniciaram os incentivos à robótica antes. “O problema para o desenvolvimento é ou financeiro ou de disponibilidade dos componentes aqui”, acredita. Além disso, continua, a mão de obra qualificada também é um fator que viabiliza a utilização em larga escala de robôs, por baratear a manutenção, mesmo que as máquinas sejam importadas. “Se não tem que entenda do assunto, quando a máquina quebra ela precisa ser inutilizada”, ilustra.
E existe mercado para robôs no Brasil? “Acho que o grande problema é o custo, se fosse um preço acessível, qual dona de casa não gostaria de ter um robô com o mesmo desempenho de um aspirador de pó mas que funciona sozinho?”, questiona Moreria, do IMT. Para ele, o mesmo raciocínio vale para áreas comerciais. “Cortar a grama não é um serviço pesado, mas se você pensa num estádio, por exemplo, é possível ter um robô que apare uniformemente e faça o trabalho à noite, e isso é muito vantajoso; mas como hoje o preço ainda é cerca de cinco vezes maior para comprar um robô, muitas empresas consideram que o investimento não vale”, pondera.
Moreira levanta ainda uma outra dificuldade, que é despertar o interesse dos jovens pela robótica. Para estimular o envolvimento, existem, no Brasil e no mundo, várias competições, para incentivar o desenvolvimento de tecnologias. “E o País tem conseguido índices muito bons, as equipes daqui são muito bem vistas no mundo”, afirma o professor do IMT, que liderou o time vencedor de 2010 do peso pena da Combotz, torneio que faz parte da Robogames, equivalente robótico da Copa do Mundo.
A PUC-Rio ficou com o título em 2011, sob a batuta de Meggiolaro. O docente que orientou os vencedores deste ano acrescenta que a tradição, nos campeonatos, é de participação de empresas de robótica, mais que de instituições de ensino. “São engenheiros competindo contra estudantes, e as universidades de lá não vencem os torneios, nós brasileiros somos a exceção, e os profissionais de lá reconhecem isso”, afirma. Ele também lembra que os desenvolvimentos aplicados aos robôs de combate, que vivem situações extremas, podem ser modificados para atender a demandas comerciais e ajudar o País a avançar ainda mais no terreno da robótica.
Fonte: tecnologia.terra.com.br