Crise Financeira no Mercado de IA?

Crise Financeira no Mercado de IA?

Não é novidade para ninguém o quanto a Inteligência Artificial tomou conta das nossas vidas. Desde simples consultas nos navegadores até sistemas complexos de recomendação em plataformas de vídeo, o impacto dessa tecnologia já é sentido no dia a dia.

Mas esse fenômeno não se reduz a esses usos cotidianos: diversas empresas estão substituindo setores inteiros por soluções automatizadas, enxugando equipes antes numerosas e apostando que modelos capazes de gerar texto, analisar dados ou automatizar decisões possam assumir tarefas que iam de atendimento ao público à revisão técnica de documentos.

Esse movimento, porém, não acontece de forma isolada. Ele caminha lado a lado com um ciclo de investimentos cada vez mais agressivos. Grandes corporações estão injetando bilhões de dólares na corrida por modelos mais potentes, enquanto startups são supervalorizadas, destoando completamente do valor que conseguem entregar. 

A promessa de “eficiência infinita” e “automação total” cria uma aura de inevitabilidade que atrai investidores, mesmo quando a viabilidade econômica de longo prazo ainda é nebulosa. É justamente nessa combinação de hype tecnológico e capital incessante que alguns especialistas estão chamando esse momento de bolha.

O que exatamente é uma bolha econômica?

Para resumir, as bolhas econômicas são criadas quando há um produto ou serviço valorizado mas sem fundamentação e dados para isso.

A bolha das pontocom, no final dos anos 1990, é um exemplo claro: empresas de tecnologia sem modelo de negócio definido recebiam investimentos massivos apenas por terem “.com” no nome, até que a desconexão entre expectativa e realidade levou ao colapso. 

Já a crise imobiliária de 2008 demonstrou outro mecanismo clássico de bolha, em que o mercado hipotecário americano inflou artificialmente graças a crédito fácil, especulação e títulos lastreados em dívidas de baixa qualidade; quando a inadimplência explodiu, todo o sistema financeiro entrou em colapso.

Onde estão os indícios?

A ascensão da possível bolha da Inteligência Artificial não aconteceu de um dia para o outro. O ponto de partida foi a soma de avanços técnicos muito visíveis, modelos de LLM como GPT-3 e, depois, GPT-4 demonstraram capacidades que antes pareciam ficção científica.Assim, instalou-se um consenso de que a IA seria inevitavelmente o novo motor do crescimento global. Essa narrativa criou  um clima econômico marcado pela busca incessante por “a próxima grande revolução” antes de existirem evidências sólidas de modelos de negócio sustentáveis.

Empresas como a OpenAI são um exemplo emblemático desse fenômeno.O mercado não está avaliando a empresa pelo fluxo de caixa atual, mas sim pela expectativa de domínio tecnológico futuro, permitindo à empresa movimentar bilhões de dólares pelo mercado. Porém, essa expectativa ainda não foi comprovada e a realidade mostra o contrário.

O CEO da OpenAI, divulgou em suas redes sociais que mesmo com o lançamento do plano ChatGPT Pro, que custa cerca de R$ 1.200 por mês, a empresa perde dinheiro.

Documentos financeiros da Microsoft (sua principal investidora, com uma participação acionária de 27%), divulgados via SEC (US Securities and Exchange Commission), indicaram que a OpenAI registrou um prejuízo trimestral estimado em mais de US$ 11,5 bilhões no trimestre encerrado em setembro de 2025. Esse déficit reforça a ideia de que o motor principal por trás da altíssima valoriação da OpenAI não é a lucratividade atual, mas sim a capacidade de parceiros bancarem os custos e a promessa dos modelos de próxima geração.

Ao mesmo tempo, o hype impulsionou cadeias inteiras da indústria. A NVIDIA é caso mais simbólico, sendo uma empresa que durante décadas viveu do mercado de GPUs para jogos e, agora, vê seus chips se tornarem a espinha dorsal da corrida por modelos maiores, mais rápidos e mais caros. Em poucos anos, sua receita explodiu, seu valor de mercado ultrapassou gigantes históricas e ela passou a ditar o ritmo da infraestrutura global de IA, estando em um posição quase monopolística, pois também fornece plataformas usadas pelos desenvolvedores. A empresa não só lucra com a demanda atual, mas com a crença de que o crescimento será ilimitado.

Junto das fabricantes de hardware, surgiram os novos gigantes invisíveis: as empresas de data centers. Nomes como Oracle, Amazon, Microsoft e Google começaram a expandir suas infraestruturas de forma agressiva, construindo parques de servidores cada vez maiores para atender a modelos que exigem quantidades absurdas de energia, refrigeração e espaço físico. Aqui também se verifica a lógica da antecipação: os investimentos são feitos antes de existir demanda comprovada, baseados na hipótese de que “todo mundo vai precisar de IA em escala”. Isso não é necessariamente errado, mas cria um ambiente típico de bolha, em que gastos massivos acontecem muito mais por medo de perder o bonde do que por análises de retorno real.

Com tecnologia impressionante, promessas grandiosas e capital abundante, formou-se um ciclo autoalimentado: investidores despejam dinheiro porque acreditam no potencial; as empresas usam esse dinheiro para treinar modelos gigantes; modelos gigantes geram manchetes que reforçam o hype; o hype traz mais investidores; e assim por diante. O problema é que, quando a narrativa se torna mais importante do que os resultados concretos, o risco de inflar expectativas irreais aumenta exponencialmente e investidores aceitam esse risco porque temem ficar de fora do próximo salto tecnológico. E é nesse desalinhamento entre promessa e entrega que as bolhas econômicas costumam encontrar seu terreno fértil.

Resumo do Ecossistema atual

A imagem ilustra um ecossistema de investimentos altamente interdependente, no qual algumas poucas empresas gigantes concentram e redistribuem volumes massivos de capital em torno da corrida da IA. 

No centro está a Nvidia, que se tornou a maior beneficiária do ciclo atual: praticamente todos os atores da cadeia compram seus chips, enquanto ela mesma reinveste parte dos lucros em players estratégicos, como algumas startups e a própria OpenAI. Essa, por sua vez, movimenta valores igualmente gigantescos, recebendo aportes da Microsoft, de investidores e até de fabricantes de hardware como a AMD, ao mesmo tempo que firma contratos bilionários com empresas de cloud como a Oracle. Já a Oracle recircula esse capital investindo pesado em GPUs da Nvidia para sustentar a demanda criada por esses acordos. 

O resultado é um ciclo onde cada empresa impulsiona artificialmente o crescimento das outras: investimentos massivos estimulam compras de infraestrutura, que por sua vez aumentam valuations, que justificam novos investimentos.

O que os líderes do mercado pensam sobre esse cenário

Mark Zuckerberg

O criador do Facebook, em entrevista ao ACCESS Podcast, declarou que a Superinteligência, o conceito de que sistemas de IA que ultrapassam humanos em praticamente todas as tarefas cognitivas relevantes, é um conceito real e que será a tecnologia que permitirá as criações e inovações mais valiosas. 

Segundo ele mesmo: “É muito dinheiro, e se gastarmos errados alguns bilhões de dólares, será triste, é claro, mas o risco maior está do outro lado. Se você construir muito tarde, com a superinteligência ficando pronta em 3 anos mas você finaliza em 5, você fica fora da tecnologia. O risco para um companhia como a Meta está em não ser agressivo demais.”

Jeff Bezos

Durante palestra na Italian Tech Week 2025, o fundador da Amazon destacou a diferença entre a bolha industrial e a bolha financeira, sendo a primeira o momento em que ele acredita em que estamos. Ele cita, que assim como a bolha de biotecnologia dos anos 90, alguns grupos irão perder dinheiro, mas a sociedade, como um todo, colhe frutos positivos com as invenções do período.
“ As bolhas industriais podem ser boas. Quando a poeira abaixar, a sociedade irá ser beneficiada por essas invenções. Ainda conseguem os remédios que salvam vidas. E isso que irá ocorrer aqui. Os benefícios da IA para a sociedade serão gigantescos.”

Jensen Huang

Sentado ao lado de Elon Musk, no fórum de investimento da Arábia Saudita, o CEO da Nvidia comentou que há um grande avanço na demanda de poder computacional que não está ligado às IA’s. Processamento de dados como endereço, sexo, idade são informações que guiam diversos mercados e exigem investimento de muitos dólares para funcionarem. Ainda destaca a importância dos sistemas de recomendação nos dias de hoje e como passarem a ser executados nas GPU. Assim, ele afirma que há muito acontecendo além dos modelos agentes, como ChatGPT ou Gemini.
“Se você considerar a transição de computação de uso geral para computação acelerada, você conclui que o que sobra para abastecer as revoluções de IA’s agentes é menor do que pensa e é tudo justificado.”

Analistas Financeiros

De um lado, há quem veja no boom atual algo inflado até para os padrões das grandes euforias do passado, maior que o estouro da internet em 2000 ou a crise imobiliária de 2008. Para esses analistas, a conta não fecha, pois desenvolvedores de modelos e empresas de software acumulam prejuízos pesados e dependem de rodadas de investimento cada vez maiores para se manter. O medo é que, quando o capital cessar, tudo desabe, já que “ainda não existe um caminho claro para tornar LLMs negócios lucrativos”.

Do outro lado, investidores rejeitam a tese de bolha, afirmando que não há irracionalidade. A adoção ainda está no início menos de 3% das empresas americanas usam IA de fato e a valorização das gigantes reflete demanda real. A NVIDIA vende tudo o que produz; Microsoft, Google e Amazon investem porque já veem retorno em produtividade e serviços; setores como cybersecurity, semicondutores e cloud exibem crescimento concreto de receita. Comparar com 1999 seria um erro: naquela época havia promessas; hoje, há infraestrutura, clientes e fluxo de caixa.

Conclusão

O debate acaba se condensando em um dilema central: o mercado está inflado por expectativas exageradas ou apenas antecipando, com antecedência, uma revolução inevitável? Os números sustentam argumentos para ambos os lados. Para os pessimistas, valuations elevados sem geração de lucro representam um risco evidente; para os otimistas, a falta de lucro imediato é parte natural de um salto tecnológico de grande magnitude. No fim, há ao menos um consenso: nunca uma corrida tecnológica moderna mobilizou tanto capital em tão pouco tempo e é justamente essa escala inédita que torna difícil prever se estamos à beira de um novo crash… ou do nascimento de um novo paradigma econômico.

Referências

https://www.cnbc.com/2025/11/26/mit-study-finds-ai-can-already-replace-11point7percent-of-us-workforce.html

https://www.theregister.com/2025/10/29/microsoft_earnings_q1_26_openai_loss

https://www.datacenterdynamics.com/en/news/google-looks-to-buy-195-hectares-in-france-for-data-center-campus

https://www.theguardian.com/commentisfree/2025/dec/12/ai-bubble-mass-layoffs-income-inequality

https://www.reuters.com/business/nasdaq-sp-500-futures-slip-broadcom-outlook-reignites-ai-bubble-fears-2025-12-12

Thiago Munck