Brasil: como construir como a China em tempos de pandemia.

Em meio a crise na saúde, no mês de Janeiro, a China ergueu um hospital em 10 dias. Mas será que essa rapidez de construção seria possível no Brasil? A resposta é sim. Projetos desse porte são possíveis e não estão longe da nossa realidade. O que torna isso possível? 

A crescente competitividade no setor da AEC (Arquitetura, Engenharia e Construção), devido à abertura dos mercados por conta da globalização, trouxe a necessidade de redução de custos desnecessários e não previstos, a diminuição de prazos e a otimização de todos os processos envolvidos em uma construção, desde a concepção até a entrega. BIM (Building Information Modeling – Modelagem de Informações da Construção), é um dos mais promissores desenvolvimentos na indústria relacionada à AEC.

O que é?

Diferentemente do projeto tradicional, baseado em desenhos 2D, o BIM envolve uma modelagem 3D integrada, na qual, além de ser descrita a geometria do projeto, é incorporada ao modelo uma ampla gama de informações de caráter não geométrico. Esse empacotamento de informações confere ao modelo resultante uma “inteligência” que possibilita a integração do ciclo de vida da obra – planejamento, projeto, construção e gerenciamento. Em função da unicidade do modelo, os dados são consistentes, não redundantes e coordenados. Assim, quando ocorre qualquer mudança em algum componente do modelo, tal mudança se propaga por todo o modelo e é refletido em todas as vistas dele.

Um modelo digital preciso de uma edificação contém a geometria exata, dados e funções necessárias para o suporte da construção, fabricação, fornecimento de insumos necessários para a realização da construção e para modelar o ciclo de vida da edificação, proporcionando uma base para novas construções e modificações. Essas informações ajudam reduzindo ocorrência de erros e retrabalhos, mostrando como o BIM é uma ferramenta importante. 

No caso chinês é importante deixar claro que a etapa da construção só foi possível ser concretizada em 10 dias devido à um conceito fundamental: a logística da construção. Erguer um edifício tão rápido, requer uma logística muito sofisticada, que só é realizável em virtude da qualidade das informações de projeto. Com um projeto já pronto, baseado em outro hospital, todos os dados fundamentais para as etapas de construção foram utilizados e profissionais de todas as áreas e etapas mantiveram uma comunicação constante. Além disso, foram utilizadas placas pré fabricadas com encaixe, que cumpriram parte do papel estrutural, dessa forma dispensando o tempo envolvido em construções a base de concreto. Assim foi possível se ter 4.000 trabalhadores (pedreiros, eletricistas, carpinteiros e encanadores) e 100 tratores em três turnos de trabalho, para construir 25 mil m², em um canteiro de obras sem pausas.

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Quais os benefícios?

A adoção do BIM faz com que melhore o desempenho da equipe de projeto por conta da melhoria na comunicação e o acesso a informação atualizada das diferentes disciplinas envolvidas. Essa interação melhora a coordenação, o que traz como resultado um aumento na precisão das informações e a redução o retrabalho. Além disso, um projeto e construção onde todos os agentes envolvidos na obra, como construtores, empreiteiros e projetistas, são envolvidos, resulta em um processo mais integrado, com maior qualidade, economia variando de 15% a 40%¹ e redução de prazos.

A utilização da modelagem BIM pode favorecer várias fases da construção:

  • Pré-construção: auxilia na aprovação de conceito, viabilidade e benefícios do projeto, proporciona o aumento da qualidade e do desempenho da construção, que pode ser útil para o proprietário;
  • No projeto: proporciona uma visualização antecipada e mais precisa, correções automáticas de baixo nível quando mudanças são feitas no projeto, geração de desenhos 2D precisos e consistentes em qualquer etapa do projeto, colaboração antecipada entre múltiplas disciplinas de projeto, verificação facilitada das intenções de projeto, extração de estimativas de custo durante a etapa de projeto, incremento da eficiência energética e a sustentabilidade;
  • Na construção e fabricação: favorece a sincronização de projeto e planejamento da construção, descoberta de erros de projetos e omissões antes da construção (detecção de interferências), reação rápida a problemas de projeto ou do canteiro, uso do modelo de projeto como base para componentes fabricados, melhor implementação e técnicas de construção enxuta, sincronização da aquisição de materiais com o projeto e a construção;
  • Pós-construção: proporciona um melhor gerenciamento e operação das edificações integração com sistemas de operação e gerenciamento de facilidades.

Como funciona?

Começa com o conceito do projeto arquitetônico definido geralmente pelo arquiteto, mas não só por ele. A proposta precisa se tornar concreta, com estrutura e todos os demais sistemas, como hidrossanitários e elétricos. 

O que antigamente era feito em modelos 2D, agora passam a ser feitos em 3D, com todas as vistas integradas. A partir disso, agrega-se todos os dados que representam as características físicas e funcionais da edificação, informações da obra, como propriedades temporais, importação e exportação de arquivos e detalhes financeiros. Essas informações são compartilhadas e alimentadas no software com todos os profissionais que trabalharão no projeto, permitindo uma interoperabilidade do programa além de trabalho simultâneo em áreas diferentes. Todas as alterações realizadas por um profissional são processadas automaticamente e em tempo real para os demais sistemas. Essa interoperabilidade é considerada uma das principais características do BIM. Todas essas informações integradas possibilitam então a realização de experiências virtuais ou simulações, onde é possível se ter maior noção do projeto e observar incompatibilidades, caso existam. 

Problemas na compatibilização (Fonte: Pini)

Toda essa tecnologia faz parte de um conjunto de softwares que traduzem esses conceitos e permitem a aplicabilidade de atividades específicas em momentos específicos do ciclo de vida de uma obra. 

Uma metáfora muito utilizada é relacionar cada perspectiva dada pelos softwares BIM como uma nova dimensão. Por exemplo:

  • 4D: informações sobre o tempo e condições físicas da obra;
  • 5D: dados orçamentários;
  • 6D: questões de sustentabilidade e de eficiência energética;
  • 7D: informações sobre a manutenção do empreendimento.

Logo, o BIM agrega novas perspectivas, superando as representações em 3D.

Por que utilizar no nosso país?

Já é uma realidade o BIM no Brasil. Em 2018 foi assinado o Decreto Nº 9.377, que institui a Estratégia Nacional de Disseminação do BIM no Brasil e para o foi definido um cronograma ou “Road-Map” no qual é estabelecido que, a partir de 2021, o BIM será obrigatório em projetos e obras públicas brasileiras. Existem comitês espalhados pelo Brasil que concentram seus trabalhos em implementar a Estratégia Nacional de Disseminação do BIM, proposta pelo Governo Federal. Santa Catarina foi o primeiro estado a definir a obrigatoriedade do BIM, a partir de 2019, nas licitações de obras públicas.

Um desafio decorrente desta estratégia é a formação de profissionais para atuar sob  este novo paradigma. Nesse intuito, em 2018 surgiu o GEBIM – Grupo de Estudos e Práticas em BIM, no âmbito da Faculdade de Engenharia da UFJF. O grupo vem desenvolvendo estudos sobre a aplicação prática do BIM e promovendo discussões sobre a necessidade de ensino BIM nos cursos de graduação em engenharia, tendo desenvolvido vários trabalhos para a disseminação do BIM em Juiz de Fora e região.

Nosso país já possui tecnologia suficiente para construir edifícios em um curto espaço de tempo, e os profissionais têm buscado se aprimorar. A grande burocracia inerente aos processos é uma dificuldade a ser batida, mas hoje é possível construir até mesmo um hospital em um curto período para atender a demanda causada pelo COVID-19, como a China. Portanto, a utilização do BIM como metodologia de gestão em projetos pode transformar o cenário de construção brasileiro assim como ser uma importante solução em construções de hospitais no enfrentamento da pandemia.

[1] HOLNESS, G.; GORDON, V. R. H. Building information modeling. ASHRAE journal, v. 48,n. 8, p. 38, 2006. ISSN 0001-2491.

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Por Kássia Carvalho.