Apostas, Influencers e Algoritmos: O Que Está em Jogo na Publicidade Online

Apostas, Influencers e Algoritmos: O Que Está em Jogo na Publicidade Online

Por que regulamentar as propagandas digitais?

Nos últimos anos, a regulamentação da publicidade digital virou um dos temas mais quentes no debate sobre internet, privacidade e proteção ao consumidor. Com o crescimento acelerado de plataformas como Google, Facebook, TikTok e outras redes sociais, os anúncios ganharam um alcance e uma sofisticação nunca antes vistos. Mas junto com esse boom, surgiram também preocupações sérias: como garantir que esses anúncios sejam transparentes, éticos e seguros para quem os consome?

Diversos países e organismos internacionais vêm criando leis para regular os anúncios online, principalmente para proteger dados pessoais, evitar práticas enganosas e limitar a exposição de públicos vulneráveis. Enquanto isso, empresas de tecnologia tentam se adaptar, ao mesmo tempo em que discutem até onde vão suas responsabilidades.

Por que essa regulamentação é tão necessária?

Anúncios digitais são altamente personalizados, feitos com base em dados comportamentais, histórico de navegação e preferências pessoais. Esse poder de influência pode ser positivo, mas também abre margem para abusos, principalmente quando se trata de grupos mais vulneráveis.

Proteção de dados e combate à publicidade enganosa:

Sem regras claras, o uso de dados pessoais pode facilmente virar uma invasão de privacidade. Além disso, a velocidade da internet permite que campanhas enganosas ou fraudulentas se espalhem com facilidade. A regulamentação busca garantir que as informações sejam verdadeiras e não manipulem o consumidor.

Transparência e confiança:

Regras também ajudam a deixar claro quem está por trás do anúncio e por que você está vendo aquilo. Isso é essencial para que as pessoas possam confiar nas marcas e plataformas.

Proteção de vulneráveis e concorrência justa:

Crianças, adolescentes e idosos nem sempre têm discernimento para lidar com certos tipos de publicidade. A regulamentação protege esses grupos. Além disso, coíbe práticas desleais como o uso de bots ou fake news para fins comerciais.

O que já foi feito pelo mundo?

A regulamentação da publicidade digital tem avançado em vários países, com abordagens que variam conforme o contexto político, econômico e cultural de cada região. De maneira geral, o foco tem sido a proteção de dados pessoais, a transparência na veiculação de anúncios e a responsabilização de plataformas e anunciantes.

União Europeia e Estados Unidos:

Na União Europeia, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) é um marco que influenciou legislações no mundo todo. Ele obriga empresas a informarem claramente como os dados dos usuários são coletados e utilizados, inclusive para fins publicitários. Além disso, o Digital Services Act (DSA), aprovado em 2022, trouxe regras mais duras para grandes plataformas, exigindo relatórios de transparência sobre anúncios e permitindo maior controle dos usuários sobre o que visualizam. A publicidade direcionada a crianças, por exemplo, passou a ser proibida.

Nos Estados Unidos, a falta de uma legislação federal unificada tem sido compensada por ações estaduais, como a California Consumer Privacy Act (CCPA), que concede aos consumidores o direito de saber quais dados estão sendo coletados e de optar por não compartilhá-los. Além disso, cresce o debate sobre a regulamentação da atuação de influenciadores e a transparência nos anúncios veiculados por eles.

Brasil: avanços e lacunas:

O Brasil também tem uma base legal sólida para lidar com publicidade, embora precise evoluir frente às novas dinâmicas digitais. A Constituição Federal garante o direito à informação e à proteção contra práticas abusivas. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe expressamente a publicidade enganosa ou abusiva e inverte o ônus da prova em favor do consumidor quando há suspeita de irregularidade.

Além disso, o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) atua como entidade civil para zelar pela ética na publicidade, sendo responsável por avaliar denúncias e recomendar a suspensão de campanhas inadequadas. Embora suas decisões não tenham força de lei, elas influenciam significativamente o mercado publicitário.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, trouxe impactos relevantes para o marketing digital, exigindo consentimento explícito para coleta e tratamento de dados pessoais. Ainda assim, o país carece de regulamentações mais específicas sobre publicidade em redes sociais, influenciadores e o uso de algoritmos na segmentação de público.

Nos últimos anos, iniciativas legislativas começaram a surgir, como projetos que visam regulamentar o uso de inteligência artificial, proibir publicidade infantil em plataformas digitais e limitar a atuação de casas de aposta, especialmente após o escândalo das “bets”. Essas medidas indicam que há um movimento crescente rumo a uma legislação mais robusta e adaptada aos tempos digitais.

Desafios na prática

A fiscalização não acompanha a tecnologia, com milhões de anúncios rodando diariamente, muitos abusos passam despercebidos. Além disso, as plataformas alegam que não são responsáveis pelo conteúdo, o que dificulta a responsabilização.

O caso das apostas esportivas e a CPI das “bets”:

A discussão sobre regulação da publicidade de apostas esportivas não é exclusiva do Brasil. Em diversos países, esse tema também tem ganhado destaque, principalmente devido ao crescimento acelerado do setor e seus efeitos sociais. Na Austrália e no Reino Unido, por exemplo, já existem restrições significativas para a propaganda de casas de aposta, especialmente em horários de grande audiência ou quando associadas a eventos esportivos com grande público jovem. O objetivo é proteger audiências vulneráveis e reduzir o incentivo ao jogo compulsivo, que tem sido ligado a problemas de saúde mental e instabilidade financeira.

Essas medidas refletem uma tendência internacional de tratar a publicidade de apostas com mais cautela, diante dos impactos que pode causar na população, sobretudo entre os jovens.

Um exemplo recente e alarmante é o das casas de apostas esportivas. A popularização desse mercado no Brasil, impulsionada por publicidade agressiva em redes sociais, transmissões esportivas e influenciadores digitais, levantou sérias preocupações sobre o impacto social desse tipo de anúncio.

A CPI das Bets, instaurada pelo Senado em 2023, trouxe à tona uma série de irregularidades: desde influenciadores promovendo jogos de azar para menores de idade até suspeitas de manipulação de resultados em partidas esportivas. O uso de personalidades famosas e jogadores de futebol para legitimar essas práticas tornou ainda mais grave o problema.

Dados do Datafolha mostram que cerca de 20% dos apostadores já deixaram de comprar itens básicos, como comida, para continuar apostando. A ausência de regulamentação clara sobre a propaganda de casas de apostas agravou o cenário.

Em resposta, o Senado aprovou medidas que restringem a veiculação de propagandas de casas de aposta em eventos esportivos, programas de TV e qualquer associação com atletas menores de 18 anos. Essas ações indicam que o Brasil começa a reconhecer que liberdade de mercado não pode se sobrepor ao bem-estar social e à proteção da juventude.

Esse caso ilustra de forma clara como a falta de regulação pode ter efeitos reais e danosos, indo muito além da internet, afetando a vida cotidiana e as finanças das famílias brasileiras.

Exemplo de propaganda que instiga o leitor a entrar nesses sites.

E qual é o papel das plataformas e dos anunciantes?

Empresas como Google, Meta e TikTok têm políticas internas de compliance e oferecem ferramentas para limitar certos tipos de anúncio. Mas a moderação automatizada nem sempre funciona. O mesmo vale para os anunciantes: cabe a eles respeitar leis, ser éticos e pensar no impacto de suas campanhas.

O que esperar do futuro?

A regulação da publicidade digital tende a se tornar ainda mais abrangente nos próximos anos. Diversos projetos de lei estão em andamento em âmbitos nacionais e internacionais, com foco em garantir mais segurança e transparência no ambiente digital. No Brasil, espera-se que os avanços recentes, como as restrições às propagandas de casas de apostas, sirvam como ponto de partida para regulações mais completas que envolvam também influenciadores digitais, inteligência artificial e plataformas emergentes.

No cenário internacional, organismos como a União Europeia devem seguir ampliando o escopo de legislações como o Digital Services Act, incluindo regras mais claras sobre publicidade baseada em IA e mecanismos de verificação de identidade para anunciantes. Além disso, cresce a pressão para acordos multilaterais que evitem que empresas busquem brechas em legislações de outros países para veicular campanhas danosas.

No horizonte, também se discute o fortalecimento de agências fiscalizadoras com ferramentas tecnológicas mais avançadas, a criação de bancos de dados públicos sobre anúncios patrocinados e a responsabilização direta de influenciadores e marcas por conteúdos enganosos.

O futuro da regulamentação não depende apenas das leis, mas também da mobilização da sociedade, da pressão por mais ética no marketing digital e do entendimento coletivo de que liberdade econômica não pode se sobrepor ao bem-estar da população.

O caminho aponta para mais regulações sobre:

  • Transparência algorítmica: explicar como os algoritmos decidem o que você vê.
  • Limites à segmentação: evitar personalização extrema para crianças ou em temas sensíveis.
  • Responsabilização das plataformas: não basta dizer que não sabiam do conteúdo veiculado.

Também devemos ver o fortalecimento da educação digital. O consumidor precisa entender como funciona o mercado de dados e de anúncios para se proteger melhor.

Conclusão

A publicidade digital veio para ficar. Mas para que esse mercado seja justo e ético, a regulamentação precisa acompanhar a realidade. O que está em jogo é a proteção do consumidor, a integridade das plataformas e, em última instância, a qualidade da informação que circula nas redes.

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Acyr José