Entrevista: Célio Cirillo Menezes de Almeida

Entrevista: Célio Cirillo Menezes de Almeida

Célio Cirillo Menezes de Almeida,graduado em Psicologia em Unicentro Newton Paiva, atuou durante quase 12 anos como professor no Colégio Sagrado Coração de Maria e atua como psicólogo clínico há quase 30 anos. Participou de um evento cultural em comemoração aos 30 anos do PET Elétrica UFJF cujo tema era Saúde Mental no Ensino Remoto

  1. Como foi o seu processo de escolha do curso de psicologia e como foi também atuar como professor? 

Quando eu tinha 19 anos optei por fazer o curso de filosofia e teologia no Seminário Santo Antônio em Juiz de Fora, isso foi em 1980. Passado algum tempo, resolvi (e outros colegas) fazer uma experiência de estudo e imersão na cidade de João Pessoa – PB, onde fomos recebidos de braços e coração abertos por Dom José Maria Pires (que exemplo de pessoa e de bispo!). No tempo que passei lá foi parte da minha ascese a “escuta” permanente de uma realidade totalmente diferente daquilo que tinha vivido, daí fiz um retiro de 7 dias para discernimento vocacional, e acabei optando por fazer o vestibular em Psicologia. Comecei o curso em João Pessoa-PB e no terceiro período decidi voltar para Minas Gerais, onde concluí o curso e passei a exercer a profissão (em Belo Horizonte).

O professor não opera milagres, não tem a chave do saber, não tem varinha de condão que desperta o conhecimento em ninguém. O aluno tem uma parte ativa no processo, que acontece em seu interior. Ele precisa fazer um esforço, e muitas vezes, dizer ao professor que não entendeu para que o professor dê outras explicações ou formas de chegar à resposta. Ser professor, escolher a docência como profissão vai além de apenas decidirmos por um caminho. Ensinar é sim uma arte, é sim uma vocação, é sim uma profissão e como tal tem deveres e regras, num processo de valorização salarial e um entendimento de seu papel diante da sociedade moderna. “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” (Paulo freire)

  1. Quais as diferenças entre atuar na sala de aula e em um consultório psicológico?

Durante a faculdade, estudamos diversas abordagens que podem ser utilizadas no consultório e na clínica. Entre estas abordagens, podemos encontrar a psicanálise, que foi a minha opção. A psicanálise foi fundada por Sigmund Freud e é, além de uma técnica muito útil para tratar diversos sintomas, problemas e dificuldades mentais e emocionais, uma importante teoria sobre o ser humano, que teve influência em diversas outras áreas, como a antropologia, filosofia, letras. Como psicólogos não podemos receitar remédios. Existem diversos profissionais que preferem outras abordagens ou formas de tratar seus clientes como o behaviorismo, humanismo, psicologia analítica, gestalt, cognitivo comportamental entre outras.

Podemos ainda trabalhar na Orientação Vocacional: encontros voltados na dúvida sobre qual carreira profissional seguir; Grupo de Apoio (Ansiedade, Depressão, Toxicomania, Obesidade, Bullying…) o grupo oferece um espaço de cuidado e reflexão na partilha; Psicodiagnóstico adulto e infantil; Psicoterapia individual adulto e infantil; Atendimento a instituições conveniadas em diversas áreas: educação, saúde, saúde mental, trabalho, população em situação de vulnerabilidade social e comunidades.

Como professor o objeto da docência é o ensino, que, no caso da psicologia, assume especificidades do modo como se estrutura e se constroem os conceitos dentro dessa disciplina, ou seja, sua base epistemológica. Assim, não se ensina psicologia como se ensina matemática ou língua portuguesa, pois é preciso conhecer a lógica do conhecimento produzido pela área, o que implica conhecimento aprofundado dos aspectos históricos, filosóficos e políticos correlacionados nessa produção. Há que se considerar, por exemplo, que o objeto da psicologia como ciência não é visível ou palpável, mas demanda investimento em processos abstratos de pensamento para se alcançar as explicações teóricas dos fenômenos comportamentais.

Outra especificidade da docência em psicologia diz respeito à profissão: os profissionais da área têm, como objeto de suas ações, pessoas, sobretudo com foco na afetividade. Isso nos leva a refletir sobre as estratégias de ensino que não podem se basear na transmissão do conhecimento por meio de leituras de teorias. É preciso problematizar, favorecer a expressão e a discussão dos diversos modos de pensar e agir, no âmbito teórico e prático. É preciso humanizar o ensino, considerando os sujeitos-estudantes e não somente os conteúdos a serem ensinados. É preciso estar de frente para os alunos, e dialogar, efetivamente, considerando também suas identidades.

  1. Na nossa live abordamos o tema “Saúde Mental no Ensino Remoto”. Para o senhor, por que não devemos ignorar os sintomas de alguma doença mental e seu tratamento?

A saúde mental engloba três tipos de bem-estar: cognitivo, comportamental e emocional. No entanto, o termo também é comumente aplicado para designar a ausência de um transtorno mental. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde mental é definido como “um estado de bem-estar em que um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com o estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de dar uma contribuição para sua comunidade”.

A saúde mental é “mais do que apenas a ausência de transtornos mentais ou deficiências”, mas também o cuidado contínuo do bem-estar e da felicidade.

Vale lembrar que uma saúde mental comprometida afeta os relacionamentos, a qualidade de vida, as atividades do dia a dia e até a saúde física.

O inverso também é válido: conexões interpessoais, doenças físicas, más condições de trabalho e outros problemas podem contribuir para perturbações na saúde mental e até para o desenvolvimento de transtornos.

Embora o termo saúde mental seja de uso comum, diversas condições que os médicos reconhecem como distúrbios psicológicos têm raízes físicas. Além disso, circunstâncias sociais e financeiras, fatores biológicos e estilo de vida podem impactar a saúde mental de uma pessoa.

É importante observar que uma boa saúde mental depende de um delicado equilíbrio de fatores, e que vários elementos podem agir em conjunto para desencadear o aparecimento de transtornos.

Temos que ter todo cuidado e atenção à saúde mental que ainda sofre com preconceitos, começa na separação entre saúde mental e saúde física. O aspecto corporal sempre recebeu muito mais atenção, pois o aspecto mental nunca foi considerado como algo em que podemos e devemos melhorar.

Isso fica mais evidente quando falamos em dor, já que ninguém lembra das questões emocionais. Aliás, até a psicoterapia, um método reconhecido cientificamente, é visto por muitos como sendo só para quem tem problemas sérios ou está “louco”.

  1. Qual o nível de influência de fatores externos, como a obrigação do distanciamento social na Pandemia, e sociais nos transtornos mentais?

Vimos que houve a suspensão dos passeios e brincadeiras ao ar livre, os parques e praças estão em baixa, assim como o “estoque” de vitamina D diária, tão importante para o organismo humano, inclusive para a manutenção da imunidade. Por outro lado, fatores prejudiciais à saúde estão em alta, como o aumento de peso e as dores no corpo causadas pelo sedentarismo. Qualquer atividade física ao ar livre ficou suspensas, teve de parar.  A nova rotina estabelecida, a de permanecer em casa constantemente interfere muito na condição física e emocional de todos.

Não existe receita de bolo perfeita para nada, no entanto, o cenário exigiu e exige muito equilíbrio. Lidar com as próprias angústias já é difícil, imagine isso intensificado! Pessoas que possuem depressão ou algum outro transtorno mental necessitam de um tempo maior para a adaptação frente ao desconhecido e às alterações de sua rotina. Desta forma, o processo de distanciamento social apresenta reflexos na saúde mental. Esse é um momento singular e de readaptação, onde as atividades cotidianas passam a ser remodeladas. Embora esse período cause implicações para a saúde mental, o distanciamento mostra-se como efetivo na medida em que reduz a contaminação e consequente a mortalidade causada pelo coronavírus. O distanciamento gerou muita preocupação, e com isso vimos o número de consumo de álcool aumentado e o uso de drogas (lícitas e ilícitas). Esses envolvem a dificuldade do acesso às pessoas que fazem parte da sua rede socioafetiva, a diminuição do acesso aos tratamentos de saúde mental devido à restrição de atendimentos na Rede de Atenção Psicossocial e devido ao excesso de informações midiáticas referentes à pandemia. Nesse sentido, o distanciamento social reforça as preocupações com a economia refletida em sobrecarga econômica, desempregos, miséria, pobreza e desigualdade social.

A COVID-19 desencadeia o medo da morte e implica na reorganização da vida familiar e social, o que leva aos sentimentos de desamparo, abandono, insegurança, angústia, medo, tédio, insônia, entre outros. Nesse sentido, torna-se essencial um olhar atento às necessidades psicológicas que podem vir a se manifestar em decorrência das situações vivenciadas pela pandemia, para que seja possível preservar a saúde mental da população.

Assim, o distanciamento intensificou ainda mais os sintomas de depressão, ansiedade e sentimentos de medo e solidão das pessoas, principalmente daquelas que já possuíam histórico de transtorno mental. Os impactos do distanciamento social decorrente da pandemia podem se estender por um longo prazo, pois as pessoas estão expostas ao contingenciamento econômico, ao medo e a ansiedade, o que causa importantes mudanças no cotidiano e nas condições de saúde de crianças, adolescentes/jovens, adultos e idosos. Entre os riscos desse momento singular, percebe-se que a pandemia vai além da população-alvo, pois é um problema de saúde pública, de gestão do cuidado e que contempla muitas demandas na saúde.

  1. Nesse contexto de pandemia, onde o temor pela nossa vida e a de nossas pessoas queridas está grande, o senhor acha que precisamos começar a ver a morte de outra forma?

Falar de morte não é algo comum. Costumamos pensar na vida somente como planos, sonhos, conquistas, perspectivas, chegadas… e anulamos o fato da finitude, da partida, das perdas, do fim, ou seja, da morte que também é parte do ciclo da vida. É importante ressaltar que falar no assunto é fundamental para entendermos e sabermos como lidar de forma mais ajustada quando este chegar.

Então para entender mais sobre esse processo é preciso definir bem o que significa a palavra luto. Luto vem do Latim “lucto” e significa (dor, mágoa, lástima) um sentimento profundo de tristeza e pesar pela morte. Para a psicologia o luto está ligado aos processos que envolvem perdas em diversos contextos e podem ser muito mais abrangentes.

Em nossa cultura ninguém é preparado para vivenciar os processos de perda, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde estaremos diante desta situação. O certo é que luto, morte e perda é assunto que pouco se fala. 

Desde cedo aprendemos que os seres vivos se reproduzem e morrem. Não necessariamente tudo ocorre nessa ordem. O certo é que ao nascer uma vida, a certeza que se tem é que esta se findará. Muito embora todos saibam deste fato, ninguém busca informações que o ajudem a entender o processo de luto, para saberem lidar de forma adequada com esse momento de dor, sem grandes prejuízos.  Quando pensamos na vida o que vem à mente é sempre as alegrias, as conquistas, os projetos, estudos, trabalhos, vitórias, felicidade… e esquecemos que nem tudo são flores, aliás que as flores também podem ter espinhos e estes podem machucar, deixar marcas de feridas cujas cicatrizes sempre vão estar ali. Talvez por isso tenhamos tanta dificuldade quando enfim a dor da perda vem nos afligir.

O luto é entendido como uma reação à uma impactante perda. E, ao contrário do que muitos podem pensar, o luto não está relacionado apenas à morte.

Perdas de oportunidades, experiências que não voltam mais, grandes mudanças, fins de relacionamentos, mudanças de emprego e outras situações de rompimentos podem levar ao luto.

  1. Gostaria de acrescentar algum conselho para nossos leitores para que cuidem melhor de si mesmos e sua saúde mental?

Os problemas mais frequentes de adoecimento mental encontrados na população em geral são:

Estresse, Ansiedade, Dependência química, Dependência emocional,

Perturbações psicóticas, Medo, Demências, Luto, Ansiedade social,

Pânico, Relações tóxicas, Fome … dentre outros. 

Algumas dicas são importantes para que você possa começar a ter uma vida mais saudável e isso inclui:

  • Praticar o Autocuidado.
  • Aceitar-se como você é e viver a sua própria vida.  Não queira ser como outra pessoa, seja você mesmo, goste de quem você é. 
  • Mantenha-se ativo diariamente – faça atividades físicas, estude, se empenhe em uma atividade. 
  • Adquira novas habilidades, exercite seu cérebro: que tal tentar um novo hábito, melhorar um comportamento, aprender a tocar um instrumento, fazer um tipo de artesanato.
  • Mantenha o equilíbrio entre as responsabilidades e atividades de lazer.
  • Reserve um tempo para ter contato com sua família com seus amigos: converse, sorria, abrace (quando puder)
  • Relaxe, sempre separe um tempinho para fazer algo que gosta: assistir um bom filme, uma caminhada, passeio em família, a leitura de um bom livro, esporte, tocar um instrumento ou outra atividade que lhe proporcione prazer.
  • Preze sempre por uma boa noite de sono, para recarregar as energias.
  • Mantenha cuidados básicos com um estilo de vida saudável. Procure alimentar-se corretamente (nessa correria do mundo e a busca pelo corpo perfeito as pessoas estão deixando de ingerir alimentos que são essenciais para a saúde) cuidado com isso.
  • Selecionar bem algum noticiário para informação, de qualquer meio. Mas não precisa ficar ligado naquilo por muitas horas.
  • Busque ajuda sempre que sentir que não está bem, você não precisa sofrer sozinho, conte com a sua rede de apoio (Grupos… e quando sentir a necessidade procure um profissional: psicólogo e/ou psiquiatra).

Samuel Cravo