Especial: Inteligência Artificial em Armas. Para onde estamos caminhando?
A criatividade e a habilidade dos humanos em solucionar problemas e criar ferramentas trouxeram avanços extraordinários para a ciência e para o mundo, como a Inteligência Artificial (IA, em abreviação), que tem como objetivo elaborar dispositivos que simulem a capacidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas, ou seja, a capacidade de ser inteligente. E, a menos que você tenha vivido em uma caverna por 30 anos, você sabe que a IA é usada hoje para atingir a excelência em tarefas minuciosas e repetitivas nos mais diversos meios da sociedade moderna, desde empresas de advocacia para analisar processos de divórcio, até enviar pessoas e equipamentos para o espaço e vencer os melhores humanos do mundo em jogos – como já tratamos em uma notícia.
Contudo para onde o desenvolvimento da inteligência artificial e da robótica estão nos levando? Essa expansão também chegou no setor bélico, que enxerga o potencial das armas autônomas tanto para salvar vidas quanto para tirá-las, algo que pode mudar completamente a direção que seguimos rumo ao futuro.
Uma mudança na arte da guerra
“ A primeira revolução (na guerra) foi quando os chineses inventaram a pólvora. Aquilo mudou a guerra de ser algo muito pessoal e de mãos em coisas ensanguentadas para algo onde usamos armas e bombas para lutar mais a distância. A segunda revolução (na guerra) foi quando nós inventamos armas nucleares. E aquilo mudou de novo a natureza completa da guerra. Nós tínhamos a tecnologia ali, onde podíamos potencialmente aniquilar toda a humanidade. E as pessoas falaram dramaticamente sobre as Armas autônomas sendo potencialmente a terceira revolução na guerra, o que muda completamente a natureza da guerra“. Estas foram as palavras do Professor Toby Walsh da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW) em uma leitura pública sobre o desenvolvimento de armas autônomas ofensivas.
Segundo o mesmo e muitos outros cientistas, a Inteligência Artificial avançou a tal ponto que seu uso no setor militar já é uma realidade que não está distante, o que nos leva a um grande dilema moral: Como dar a computadores o direito de tomar decisões de vida ou morte? Esta questão é seriamente discutida e leva a muitas preocupações, não só no sentido técnico, mas também no ético.
A carta a ONU
Em 21 de Agosto de 2017, 116 especialistas em Inteligência Artificial e Robótica enviaram à ONU uma carta aberta requisitando o banimento das armas autônomas ofensivas – fato que as colocaria na mesma classificação de armas químicas, biológicas, nucleares, bombas incendiárias, minas terrestres e armas laser que cegam.
Dentre os especialistas, estão muitas figuras famosas como Elon Musk, cofundador e CEO da Tesla Motors e da SpaceX, Mustafa Suleyman, cofundador da DeepMind Technologies (empresa subordinada a Google que trabalha com pesquisas em IA), e o já supracitado Tobin Walsh.
A carta pede para banir o uso das armas com Inteligência Artificial ofensivas, ou seja, com capacidade de ataque e de tomar decisões sobre vida ou morte, sem o controle humano, para prevenir acidentes e seu uso indevido. Ela possui ainda um bônus de pressão por reforçar uma carta enviada à ONU, em 2015, por mais de 1000 cientistas – dentre eles o físico Stephen Hawking e Elon Musk, já citado – que chamava a atenção para os perigos do desenvolvimento da IA.
Muitos argumentos e preocupações baseiam a decisão dos cientistas. Listando alguns, temos principalmente que:
- Os confrontos irão ocorrer em uma escala e velocidades impossíveis de serem acompanhadas pelos seres humanos.
- As fatalidades de civis ainda existiriam. Uma preocupação dos especialistas é em relação com máquinas estúpidas, já que a Inteligência Artificial se baseia na aprendizagem por repetição de ações e em cenários e experiências já conhecidos, é difícil saber como uma máquina autônoma reagiria em uma situação totalmente nova. Ela poderia ferir pessoas inocentes que não deveriam ser atingidas.
- Essas máquinas iriam se proliferar. Ao contrário das armas nucleares que são difíceis de proliferar, pois necessitam de recursos minerais, tecnologia especifica e um montante de outros requisitos, as armas autônomas são muito mais baratas e fáceis de se desenvolverem, o que impulsionaria elas serem espalhadas pelo mundo.
- Elas seriam difíceis de regular, uma vez que todo computador que já construímos pode ser hackeado, não seria muito diferente com armas autônomas.
- Isso levaria a uma Nova Corrida Armamentista, onde países iriam competir, em sigilo, uns com os outros para decidir quem iria possuir em seu arsenal as melhoras armas – assim como ocorreu no Século XX, mas ao invés de misseis nucleares, blindados e armas de fogo, seriam máquinas com Inteligência Artificial.
Nova corrida armamentista
Mesmo que tais armas ofensivas totalmente autônomas ainda não estejam entre nós, algumas nações e empresas já trabalham com protótipos que possuem estas características, ou dispõem de armas sofisticadas que minimizam o elemento humano.
A Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, em inglês) dos Estados Unidos equipou um drone de vigilância comum com IA avançada e projetada para discernir entre civis e insurgentes durante um teste sobre uma réplica de uma aldeia do Oriente Médio em Massachusetts. Vale lembrar que os Drones não são armas autônomas, e necessitam sempre de uma equipe de seres humanos para controla-los e, principalmente, tomar as decisões.
No mar, o navio de guerra autônomo Sea Hunter dos EUA é projetado para operar por longos períodos no mar sem um único membro da tripulação e mesmo se guiar dentro e fora do porto.
Ao longo do lado sul-coreano da Zona Desmilitarizada Coreana, foi implementada a Sentry Gun (pistolas de sentinela, em tradução livre) SGR-A1 da Samsung, capaz de disparar de forma autônoma.
O Reino Unido possui o drone Taranis, aproximadamente do tamanho de um jato de combate Hawk Red Arrow e está sendo desenvolvido pela BAE Systems. Ele é projetado para transportar uma infinidade de armas de longas distâncias e terá “elementos” de autonomia total, diz a BAE Systems.
O Phalanx é uma arma autônoma de defesa – não questionada pelos cientistas que propuseram o banimento apenas das armas autônomas ofensivas – utilizada para defender embarcações de ataques de misseis e opera da forma livre de decisões humanas pela marinha dos Estados Unidos e outras.
Repetindo a história
Para finalizar este especial, é interessante ver como a história parece se repetir e como é fascinante a capacidade humana de criar ferramentas e solucionar problemas.
Todas as maquinas citadas não possuem vontade própria, sentimentos e livre arbítrio – mesmo que isso seja discutido em outras áreas – mas possuem uma ferramenta em comum: a própria Inteligência Artificial, que veio com o propósito de auxiliar as pessoas em suas tarefas e solucionar problemas.
Ao longo da nossa história, muitas invenções com propostas iniciais nobres tomaram um rumo oposto com os anos, haja visto os aviões de Santos Dummont e a Energia Nuclear, que pode tanto abastecer uma cidade por anos ou destruí-la em segundos. Mas foi com os erros e exageros que aprendemos e tomamos iniciativas para corrigi-los.
Foi o que aconteceu em 1970, quando 189 nações assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) que, ao entrar em vigor, firmava o compromisso, entre as nações assinantes, de impedir a proliferação da tecnologia de produção de armas nucleares, bem como promover o desarmamento nuclear, encorajando apenas a utilização pacífica de tal tecnologia. E é muito interessante, tendo o TNP em mente, encarar a carta aberta enviada a ONU pelos 116 especialistas que pede o banimento das armas autônomas ofensivas.
A Inteligência Artificial é uma ferramenta moderna incrível, que a cada dia nos ajuda a chegar cada vez mais longe, mas como todo grande invento sua expansão deve ser encorajada mas controlada de forma que erros e excessos sejam evitados.
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Fontes:
BBC: Is ‘killer robot’ warfare closer than we think? ( inglês )
BBC: Killer robots: Experts warn of ‘third revolution in warfare’ ( inglês )
Killer Robots: The Third Revolution in Warfare – UNSWTV ( inglês )
The Dawn of Killer Robots (Full Length) – Motherboard ( inglês )
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – Infoescola ( português )
Phalanx CIWS – Wikipedia ( português )
O que é Inteligência Artificial ? – tecmundo ( português )