Especial: Cientistas articulam análises autônomas sobre o desastre de Mariana

Especial: Cientistas articulam análises autônomas sobre o desastre de Mariana

Estudiosos se deslocaram para os locais atingidos e estão coletando dados e amostras
Cientistas brasileiros estão se organizando, voluntariamente, para fazer uma avaliação independente do impacto ambiental causado pelo rompimento das barragens de Mariana, em Minas Gerais. Muitos deles se deslocaram para os locais atingidos e estão coletando dados e amostras para análises. Uma iniciativa de crowdfunding foi lançada para financiar os estudos e a elaboração de relatórios.

“Considerando que este é um dos maiores desastres ambientais sofridos pelo Brasil, envolvendo rios e as populações à sua volta, abrangendo vários municípios, que as posturas das instituições públicas são vagas e o poder econômico dos envolvidos, é de extrema importância que exista um relatório independente e isento”, diz a proposta de crowdfunding na internet, que visa a arrecadar R$ 50 mil. “O relatório final será de domínio público, constituindo-se em ferramenta para que o desastre não fique impune”, acrescenta a mensagem.

A iniciativa partiu do biólogo Dante Pavan, especialista em répteis e anfíbios, formado pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e é coordenada por Viviane Schuch, microbióloga e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo o biólogo Alexandre Martensen, muitos profissionais já estão em campo com recursos próprios.

— Por meio do Facebook, houve a organização das equipes, de forma a se otimizar as coletas de amostras de água e sedimentos. Algumas coletas foram realizadas antes da chegada da lama, e outras estão sendo feitas agora, após a chegada”, disse Martensen.

— Nosso objetivo é conseguir parcerias com laboratórios para que sejam feitas análises de metais pesados, poluentes e de metagenômica. Muitos laboratórios de dentro e de fora do Brasil já demonstraram interesse, até porque existe um claro apelo científico — disse Martensen, que participa da iniciativa online, da Universidade de Toronto, onde faz seu doutorado.

Destruição generalizada

Os relatos daqueles que estão no campo são de um cenário de destruição generalizada, que deixará impactos de longo prazo no Rio Doce. Muitos rios por onde a onda de lama passou foram totalmente soterrados ou severamente assoreados, comprometendo todo o ecossistema, e os impactos deverão chegar ao ambiente marinho.

Vale e BHP foram displicentes e omissas, diz subprocuradora-geral da República

A subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, criticou duramente a postura das mineradoras Vale e BHP, donas da Samarco, por conta da postura das empresas em relação ao desastre ocorrido com o rompimento das barragens de rejeito em Mariana, Minas Gerais. Sandra também condenou a postura do governo federal em relação a uma das maiores tragédias ligadas à mineração na história do país.

— A atividade mineradora tem uma série de procedimentos usados para prevenir e mitigar desastres. Nesse caso, vê-se que a Vale e BHP foram totalmente displicentes, não se mostraram preparadas para o caso de desastre, não tinham nenhum sistema de alarme — comentou Sandra Cureau.

O governo federal, segundo a subprocuradora-geral da República, não demonstrou a atenção e sensibilidade que o caso exige.

— Houve, como geralmente ocorre, um desinteresse quase total com relação às vítimas desse desastre. As famílias e as vítimas não foram auxiliadas, não estão sendo nem recebidas. Tem pessoas mortas, crianças mortas, e parece que nada anda acontecendo — afirmou Sandra, durante a abertura de um seminário sobre mineração e meio ambiente, que acontece na Procuradoria-Geral da República (PGR) em Brasília.

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— Os ministérios ligados à área e a Presidência da República não estão demonstrando o necessário interesse.

Sandra disse que há uma força-tarefa de procuradores na região atingida. As mineradoras, declarou, terão de recuperar todas as áreas afetadas e compensar a população por esses danos.

— Provavelmente receberão punições na área cível exatamente por não terem tomado o cuidado necessário no sentido que esse rompimento não ocorresse — disse.

— Nesse tipo de desastre, as empresas têm que manter as medidas necessárias para evitar que ocorram ou para que, se ocorrerem, ajam no sentido que não se tornem muito maiores. Neste caso, isso não houve. Esse rompimento está atingindo Estados vizinhos.

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A PGR, disse ela, espera uma “punição exemplar”, tanto na esfera penal como na civil.

— Temos pessoas mortas, crianças, não sei quantas pessoas desaparecidas. Isso tudo podia ser evitado se a empresa fizesse seu dever de casa — afirmou.

— A barragem não rompeu por nenhum abalo sísmico. Estava sobrecarregada e não tinha estrutura suficiente para poder sustentar e ter aquela quantidade (de rejeito).

Para a subprocuradora, houve negligência e omissão.

— Não havia sistema de alarme, não havia nenhum sistema de atuação imediata no sentido de tentar conter que aqueles resíduos se propagassem com aquela velocidade e atingissem como atingiram as pequenas cidades, os moradores. Isso tudo configura omissão e negligência.

 

Punição tem de ir além de multa, diz governador de Minas

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), visitou nesta quarta-feira, 11, a cidade de Governador Valadares, a cerca de 300 quilômetros de Mariana, que foi afetada pela lama que corre no Rio Doce. Ele defendeu mudanças na legislação estadual para implementar punições mais duras a empresas envolvidas em danos à natureza.

— Nós precisamos rever a legislação ambiental deste Estado, que é antiquada e não resolve os problemas — disse.

Tramita na Assembleia Legislativa mineira um projeto de lei de autoria do Executivo com objetivo de realizar essas alterações na legislação vigente, segundo Pimentel.

— A lei simplesmente impõe multas e penalidades e não faz o que é necessário, que é exigir a reposição, exigir projetos bem elaborados — acrescentou.

O governador sobrevoou a calha do Rio Doce desde seu início no município homônimo e disse estar consternado com a situação.

— De fato, a situação é muito trágica. O rio está tomado pela lama e a nossa preocupação agora é garantir o abastecimento de água para as cidades — disse.

Governador Valadares, com cerca de 296 mil habitantes, é o maior município do leste mineiro com problemas no fornecimento de água, já que o Rio Doce era fonte de captação. Na terça-feira, a prefeitura local decretou estado de calamidade pública em razão da situação e pôs em prática um plano emergencial com carros-pipa. Constatou-se um nível 80 vezes mais alto de turbidez da água que o comum em coleta feita no rio, além de quantidades preocupantes de ferro, de acordo com nota da prefeitura.

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Justiça

Pimentel informou que se reunirá com a direção mundial da mineradora Samarco na tarde desta quarta-feira.

— Vou fazer valer a observação de que é necessário estender os esforços para atender essa região — disse.

A mineradora enfrenta ações judiciais também em Governador Valadares. Nesta quarta-feira, a Justiça deferiu pedido de liminar de promotores locais que requereram apoio da mineradora nas ações de emergência na cidade. Entre as requisições estavam o fornecimento de 800 mil litros de água por dia para suporte a escolas, unidades de saúde, abrigos e Corpo de Bombeiros.

Na lista do MP também estão itens como lancha com motor de popa para apoio a atividades da Defesa Civil além de contratação de agentes de endemia e R$ 70 mil por dia para serviços de comunicação da situação à população.

 

A mineradora poderá ver os pedidos do MP aumentar.

— Isso cobre o plano emergencial inicial. Queremos sentar com a Samarco para tratar de outras medidas necessárias. Não descartamos a necessidade de perfuração de poços artesianos para trazer um volume de água ainda maior do que pedimos na ação — disse o promotor de Governador Valadares Gustavo Leite.

Fonte: ZH

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