Entrevista: Professor Leonardo Willer e o conceito de Smart Grid

Entrevista: Professor Leonardo Willer e o conceito de Smart Grid

 

Leonardo Willer de Oliveira é Professor do Departamento de Energia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desde Julho de 2010. Tem graduação (2003) e mestrado (2005) em Engenharia Elétrica pela UFJF, e doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ / COPPE) (2009). Atualmente, é docente do magistério superior da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É Coordenador do Curso de Engenharia Elétrica-Energia e Presidente da Comunidade de Membros e Voluntários do IEEE Young Professionals (YP). Bolsista de produtividade do CNPq, suas linhas de pesquisa envolvem: planejamento de sistemas modernos de distribuição, geração renovável, veículos elétricos, armazenamento e monitoramento, smart grids, fluxo de potência, confiabilidade, sistemas de inteligência artificial, técnicas de otimização linear, não linear e inteira, heurísticas e meta-heurísticas bio-inspiradas.

1.  Como você definiria as redes inteligentes, ou smart grid, e sua linha de pesquisa nessa área?

Smart grid não se trata de uma solução pronta ou uma rede do futuro, mas um conceito amplo que envolve novas tecnologias de medição e monitoramento, comunicação, inserção de fontes de geração renováveis, controle e gerenciamento de geração e demanda. Todos estes desenvolvimentos visam alcançar uma rede elétrica automatizada, destacando-se as redes de distribuição de energia, que seja eficiente e flexível através da gradual implementação destas novas tecnologias.

Portanto, o que se espera de uma smart grid? Primeiramente, capacidade de comunicação eficiente. É onde se destaca a área de telecomunicações, no que tange ao envio de dados de unidades de consumo para as distribuidoras, monitoramento da carga e gerenciamento da demanda pela distribuidora e pelo consumidor. Além disso, uma estimação eficaz do estado da rede elétrica através do planejamento de sistemas modernos de medição, sem a necessidade de monitoramento em todos os pontos, mas em pontos estratégicos que permitam a observabilidade da rede, tem se mostrado como uma opção promissora para a distribuição de energia devido ao desenvolvimento de novas tecnologias para este segmento.

A inserção de energia renovável é outro aspecto inerente ao conceito de smart grid, onde se destacam a geração solar fotovoltaica, esta principalmente na distribuição, bem como a energia eólica e a partir de biomassa. O gerenciamento destas modalidades de geração de energia é um dos desafios para empresas distribuidoras, por exemplo, pois problemas podem ocorrer como a inserção em pontos inadequados ou em excesso, implicando em fluxo de potência reverso na rede e comprometendo esquemas de proteção, sobrecargas de equipamentos e elevação de perdas técnicas. No campo regulatório, modelos são necessários para a gestão, envolvendo auto produção, consumo e venda de energia por unidades consumidoras com fontes de geração conectadas ao sistema.

A energia renovável é inserida na rede elétrica na forma de geração distribuída, cuja principal característica é localizar-se próxima às unidades consumidoras, diferentemente da geração tradicional centralizada proveniente de subestações de distribuição, que fazem a interface entre a subtransmissão e a distribuição primária. A geração próxima à carga significa menor trecho para o transporte de energia até o ponto de entrega e, consequentemente, menor perda técnica.

Portanto, o conceito smart grid envolve basicamente avanços em tecnologias associadas a: energia renovável, fontes alternativas, sustentabilidade ambiental, medição e monitoramento, gerenciamento da demanda, capacidade de comunicação. Neste contexto, toda pesquisa em pelo menos alguma destas linhas contribui para o conceito de smart grid, sendo as minhas principais contribuições nas linhas de energia renovável, geração distribuída, monitoramento, estimação de estados e gerenciamento da demanda.

2. Na sua visão, a smart grid é o futuro do sistema elétrico de distribuição? Qual a viabilidade, as vantagens e as desvantagens de sua aplicação?

Na verdade a smart grid já é o presente. Por exemplo, quando uma empresa conectada ao sistema migra para o mercado livre, conforme sua capacidade instalada, é feita uma reestruturação de sua medição e seus dados de consumo são continuamente monitorados, objetivando gerir sua energia de acordo com montantes estabelecidos em contrato. Então, a medição de um consumidor que migra para o mercado livre, por exemplo, já está alinhada com o conceito de smart grid.

Inserção de energia renovável também já é uma realidade, incluindo a geração em unidades consumidoras para o sistema. Em termos de monitoramento, medidores inteligentes estão sendo desenvolvidos para redes de distribuição e pesquisas avaliam a sua inserção, juntamente com unidades de medição fasorial, que permitem enviar dados sincronizados de tensão e corrente para a estimação de estados da rede elétrica. Novas tecnologias têm sido desenvolvidas para a viabilidade de aplicação na distribuição. Esta é uma de minhas linhas de pesquisa sobre smart grid. Novas tecnologias de armazenamento, envolvendo baterias, já estão avançadas inclusive para consumidores de baixa tensão. O armazenamento já é uma alternativa complementar à operação intermitente das energias renováveis.

As potenciais vantagens são inúmeras, como redução de perdas técnicas, provenientes da dissipação de energia por aquecimento nos condutores das linhas de distribuição, e redução de perdas comerciais, advindas de furtos de energia e inadimplência, devido ao avanço das tecnologias de monitoramento e comunicação. Estudos de confiabilidade associados à operação isolada de microrredes com geração exclusivamente renovável têm apontado potenciais vantagens. A sustentabilidade ambiental inerente à utilização de energia renovável é outra vantagem, pois a diversificação da matriz energética permite reduzir a participação de fontes baseadas na queima de combustíveis fósseis. Esta redução vem acompanhada de menor emissão de poluentes para o meio ambiente, como o dióxido de carbono e o gás metano, que consiste em tema atual e de grande interesse para a sociedade moderna.

Todavia, há desafios. Eu não diria que existem desvantagens, mas muitos desafios. Um deles é que a energia renovável é intermitente devido à variação de recursos como a radiação solar e a velocidade dos ventos durante a operação do sistema. Estes aspectos geram desafios para a manutenção da confiabilidade do sistema, que significa assegurar o fornecimento de energia sob condições e níveis adequados e durante o período de operação. Há também a questão da estabilidade de tensão, haja vista que a variação da geração pode causa flutuações e afundamentos de tensão, e até mesmo interrupção do fornecimento. Qualidade de energia é outro tema que requer estudos e apresenta desafios, pois a interface da geração fotovoltaica, por exemplo, com a rede é feita através de equipamentos eletrônicos para a conversão da corrente contínua gerada para a corrente alternada. Tais equipamentos introduzem componentes harmônicas na rede que causam distorções na tensão do sistema.

Para o consumidor, a principal vantagem é a potencial redução na conta de energia, através de mecanismos de compensação para a energia gerada para o sistema. Para a distribuidora, ganho de eficiência através da redução de perdas também está associada à modicidade tarifária, impactando em melhores tarifas auferidas ao consumidor.

3. De acordo com suas pesquisas sobre energia renovável é possível prever o futuro da geração de energia do Brasil? Qual a expectativa para as fontes solares, eólicas e biomassa?

Não vejo a possibilidade de substituição total das fontes tradicionais, pois o Brasil tem um grande potencial hidráulico e até inexplorado, inclusive. A participação da energia hidráulica na matriz energética é da ordem de 65%. Porém, há muitas questões sobre o aumento desta participação, como ambientais e sociais, conforme temos acompanhado na recente implantação das usinas da região norte do país. E, de fato, o planejamento da geração deve ser feito com responsabilidade social e ambiental. A geração termoelétrica também participa de forma significativa na matriz energética, com um aporte de aproximadamente 13% para a geração a partir de gás natural e 7% para derivados do petróleo, como óleo diesel, por exemplo. Esta modalidade apresenta boa confiabilidade à medida que se tenha a disponibilidade do combustível, que pode ser armazenado e transportado. Entretanto, a geração termoelétrica a partir de combustíveis fósseis é poluidora do meio ambiente com a maior emissão de gases. Em resumo, estes combustíveis continuarão compondo a matriz energética, mas com tendência de menor espaço devido à inserção das renováveis, significando uma substituição parcial.

Entre as fontes consideradas alternativas, a que mais tem participação na nossa matriz energética é a biomassa, com aproximadamente 7%, em virtude de nosso grande potencial e disponibilidade de matéria prima, destacando-se a produção de cana-de-açúcar nas regiões sudeste e nordeste, mamona e óleo de dendê na região norte. Resíduos urbanos também podem ser aproveitados. Destaca-se neste tema a criação do programa Pró-Álcool em 1975, genuinamente nacional, e o desenvolvimento nacional da tecnologia de produção do biodiesel, na década de 80, competitivo ao óleo diesel e obtido através de óleos vegetais a partir de um processo denominado transesterificação. Em termos de política, há atualmente grandes incentivos à expansão da geração eólica, com grandes projeções para 2020 (atualmente ocupa aproximadamente 2% na matriz), e da geração solar fotovoltaica para redes de distribuição principalmente. Então, a tendência para os próximos anos é que estas modalidades de geração se expandam significativamente e assumam parcela cada vez mais considerável na matriz energética. A solar fotovoltaica também vai aumentar, principalmente no contexto da distribuição, onde o consumidor residencial de baixa tensão pode estar aproveitando essa fonte de energia. Então, destaca-se a eólica, a fotovoltaica (nosso país é uns de maior incidência solar do mundo) e  temos uma grande vantagem no nosso país da biomassa. A biomassa tem até 100% de desconto na tarifa de uso do sistema de distribuição se um consumidor livre comprar energia de uma fonte proveniente de biomassa.

4. Com a implementação de fontes renováveis em nosso país, qual seria o impacto causado na sociedade?

Existe um impacto. A biomassa, por exemplo, deve ser discutida e planejada com políticas sociais, pois em alguns casos implica em desapropriação de áreas e degradação do solo, como na plantação de eucaliptos e pinus, por exemplo. Este planejamento deve ser conduzido para não comprometer o suprimento alimentício e a qualidade de vida na zona rural. O aproveitamento de resíduos urbanos também deve ser planejado juntamente com o descarte de efluentes para o meio ambiente, de modo a evitar poluições. A geração fotovoltaica é inclusiva, pois estende a possibilidade de adesão de consumidores residenciais de baixa tensão, com aproveitamento de áreas como telhados. Contudo, esta forma vem acompanhada de discussão e impactos para a produção da célula fotovoltaica a partir da tecnologia do silício, bem como sobre aquecimento urbano devido à energia absorvida pelos painéis. A geração eólica também apresenta impactos, como poluição visual, interferência em sistemas de comunicações, alteração de rotas migratórias de aves e climáticas. Porém, nenhum dos desafios supracitados pode significar entrave haja vista a necessidade e a demanda por energia na sociedade moderna. Toda fonte tem impactos, que podem ser minimizados através de uma diversificação adequada da matriz energética. Em outras palavras, nenhuma fonte pode ser considerada como solução única, mas sim a combinação de diversas energias de modo a minimizar os impactos e maximizar as vantagens de cada uma. É tudo uma questão de planejamento que estabeleça um compromisso adequado entre as diversas demandas de nossa sociedade.

5. Na sua opinião, o Brasil caminha para a implementação de um sistema com carros elétricos? Como você enxerga a viabilidade dessa aplicação no nosso sistema? Quais são os dificultadores dessa implementação?

Na minha opinião, a tendência é pelo aumento da participação de veículos elétricos em nossa frota, não tão significativamente como em outros países, pois isto requer toda uma infraestrutura cujo desenvolvimento a curto ou médio prazo ainda é uma incógnita. Esta infraestrutura envolve recapacitação do sistema, pois o veículo elétrico precisa de postos de carregamento com capacidade de potência, substituição e investimento em equipamentos, como transformadores, e planejamento de modo a otimizar a demanda durante o período de carregamento. Ou seja, a inserção de veículos elétricos não pode implicar em sobrecarga da rede e queda na qualidade e confiabilidade da energia, o que requer investimentos no sistema. Ademais, a inexistência de um sistema regulatório e de políticas de incentivo também consistem em dificultadores. O preço do veículo elétrico ainda é muito elevado, com elevada carga tributária, o que inviabiliza o investimento em escala, apesar do baixíssimo custo de manutenção, principalmente quando se compara com veículos a combustão interna. A opção mais provável e promissora é o veículo híbrido, que combina a utilização de combustível fóssil, como a gasolina. Enquanto acionado pelo motor de combustão interna, carrega o sistema de baterias, para posterior acionamento elétrico de forma combinada. Algumas questões emergem como: o que é mais eficiente: queimar o combustível fóssil em uma unidade de geração para gerar energia e carregar o veículo elétrico ou queimar o combustível fóssil no próprio veículo de combustão interna? Pesquisas sobre veículos elétricos aliados à energia renovável, como através de painéis solares solidários ao teto do veículo, têm sido conduzidas para alavancar o crescimento desta tecnologia. O veículo híbrido, que já é uma realidade, tem a vantagem de combinar diferentes formas de energia, caminho já apontado anteriormente como o mais promissor. Em síntese, no Brasil, a curto prazo, não projeto um crescimento acentuado da participação de veículos elétricos em nossa frota, mas vislumbro um caminho gradativo que poderá resultar em um aumento relevante a longo prazo. Em outros países, esta inserção será bem mais proeminente e já é inclusive uma realidade para muitos, o que indica viabilidade.

6. Tendo em vista o planejamento e operação, quais são seus estudos nessa área?

Em todos os temas e desafios comentados anteriormente, percebe-se a necessidade por planejamento da expansão e da operação do sistema de energia elétrica. O planejamento da expansão visa identificar as melhores alternativas, como de geração de energia, diversificação da matriz energética, inserção de veículos elétricos, investimentos e recapacitação das redes… Tudo isso é planejamento. Na sequência, tem-se a operação, pois uma vez que os recursos estejam inseridos e conectados ao sistema, estes devem ser geridos de maneira ótima. Destaca-se, por exemplo, o desenvolvimento de planos de restabelecimento da energia após interrupções devido a falhas na rede, como as provocadas por ações humanas ou naturais. Como esses planos precisam ser eficientes ao máximo para a melhor utilização dos recursos e equipamentos, devem ser otimizados. Portanto, em todas estas áreas de planejamento figura a disciplina Otimização, de fundamental importância para os desafios atuais. O cenário é competitivo, existem diversas alternativas, algumas conflitantes entre si, o que requer soluções que estabeleçam compromissos ótimos entre as mesmas e também a obtenção de soluções complementares. Tudo isso é Otimização…

Nesta ciência, os cursos de Engenharia Elétrica da UFJF contam com uma disciplina específica na graduação e três disciplinas no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica (PPEE), duas delas ministradas por mim em parceria com os Professores Edimar José de Oliveira e Ivo Chaves da Silva Junior. Há grupos de pesquisa em nossa universidade, como o Grupo de Otimização Heurística e Bioinspirada (GOHB), liderado por mim e pelo Professor Ivo Chaves e que conta com a participação efetiva de outros professores, como o Professor Bruno Henriques Dias. Há também o Grupo de Otimização em Sistemas de Potência, liderado por mim e pelo Professor Edimar. Os dois grupos estão cadastrados no CNPq. Também no contexto de smart grid, há um grupo de estudantes liderado pelo Professor Bruno sobre Mercados de Energia, com reuniões semanais, em que participo. Nestes grupos e parcerias, tratamos das linhas aqui comentadas: planejamento de geração distribuída e de veículos elétricos, linha em que o Professor Bruno e eu desenvolvemos projetos de pesquisa; planejamento da operação (planos de restabelecimento); planejamento de equipamentos para melhoria da confiabilidade e de sistemas de monitoramento ótimo.

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