Entrevista: José Paulo R F Mendonça e seu projeto de construção de uma heliotérmica

José Paulo Rodrigues Furtado de Mendonça é doutor em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro com Pós-doutorado em Stanford/USA no grupo de Biofísica. Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Física. Desenvolve pesquisa na área de física aplicada, com ênfase na área de espalhamento eletromagnético, atuando principalmente nos seguintes temas: espalhamento de luz por micropartículas aplicada na área biológica, desenvolvimento de micro-ondas suas aplicações e interação com sistemas biológicos, interferometria aplicada, desenvolvimentos de equipamentos na área médica e energia heliotérmica. Possui 19 patentes e quatro transferências de tecnologias. Atualmente é líder do grupo de pesquisa de Física Aplicada da UFJF. Tem projetos de pesquisa em colaboração com empresas na área de mineração e energia. Também está desenvolvendo o projeto “Desenvolvimento de heliotérmicas tipo torre”, com financiamento do CNPQ, no laboratório de física aplicada da UFJF.

1) De fato, no que realmente consiste o projeto? Você pretende somente construir os componentes de uma heliotérmica ou construir e implantá-la?

Nós queremos construir uma planta. Nós já temos, hoje, o motor, já acoplado, praticamente um motor Stirling, já temos o gerador, os espelhos microcontrolados já estão montados, deles já temos uns 15, o que não é suficiente ainda para gerar uma grande quantidade de energia, mas dá para fazer alguns testes. O que estamos trabalhando no momento é o receiver, que é justamente onde ocorre a troca de calor para transformar energia térmica em energia mecânica e se tem uma tecnologia por trás disso ainda, uma vez que a radiação tem que ser absorvida completamente e não se consegue isso ainda de forma eficiente, mas estamos trabalhando nele para ver se conseguimos desenvolver uma nova tecnologia. Além disso, temos o fluido trocador de calor que também tem uma inovação que está associado a líquidos iônicos, então estamos desenvolvendo com o pessoal da química um novo fluido térmico.

2) Quais são as dificuldades que vocês enfrentam no projeto?

A principal dificuldade é fazer uma planta desse projeto em escala um pouco maior, pois é preciso espaço e esse é o grande problema que eu vejo no futuro. Todo o material que é preciso para construir essa planta e toda a infraestrutura necessária o laboratório de física aplicada já possui, já temos as máquinas para fazer a construção, mas o grande problema é, hoje, o local para instalar essa planta. Tem que ser um local próximo ao departamento de física para montarmos essa planta e realizarmos as medidas necessárias, como potência e intensidade solar, entre outras.

3) Como funciona a física por trás de uma heliotérmica?

Basicamente, transforma-se a energia solar em energia térmica, existindo várias técnicas para se fazer isso, mas estamos nos focando na heliotérmica do tipo torre, ou seja, tem-se uma torre central e em volta dessa torre tem-se vários espelhos microcontrolados, sendo que os microcontroladores conseguem calcular a posição na qual os espelho devem ficar para que toda a energia solar seja focada em um único ponto que no caso é o receiver. Essa é a nossa tecnologia e esse é o nosso projeto que estamos tentando desenvolver. Existem outros tipos de heliotérmicas, como a parabólica, mas estamos focando nesse tipo, que segundo a literatura, parece possuir o melhor custo benefício dentre todas. Por exemplo, a China e a Espanha possuem várias heliotérmicas do tipo torre e parece que essa é a melhor tecnologia para a produção de energia em grandes escalas e o custo não é tão elevado.

4) O fluido térmico é essencial para uma heliotérmica, pois ele é o responsável pelo armazenamento de calor. Qual tipo de fluido é adequado para isso? Quais características são necessárias para ele ser um fluido térmico?

O fluido térmico não é só para armazenar calor, mas, também, transferir calor de forma eficiente, então esse fluido tem que ter essas duas qualidades: basicamente armazenar e transferir calor rapidamente e a princípio não é nada trivial ter um fluido desse tipo. Antigamente se usava cloreto de sódio fundido, mais ou menos entre 800 e 1000 graus, mas o problema do cloreto de sódio é que ele é altamente corrosivo, por isso acaba destruindo a tubulação e é necessário chegar a altas temperaturas (um pouco mais de 800 graus) para conseguir fazer a fusão desse material. O ideal era conseguir um composto químico que não precise de temperaturas tão altas, ou seja, compostos que precisem de temperaturas entre 300 e 400 graus e não sejam corrosivos para a tubulação.

5) O que você pode nos informar sobre o fluido térmico que vocês estão desenvolvendo?

Estamos desenvolvendo um líquido que tem um alto calor específico, que armazena mais calor, realiza a troca de calor de forma mais eficiente e que também não seja corrosivo para a tubulação. Estamos querendo avançar nesse ponto, desenvolvendo fluidos inteligentes, que, dependendo da situação, armazena calor ou transfere calor de forma eficiente, entrando nessa nova tecnologia.  Então, estamos desenvolvendo esse fluido para testá-lo e depois colocá-lo na planta para ver se funciona corretamente. Os fluidos que armazenam e transferem calor são chamados de fluidos inteligentes e não é qualquer fluido que faz isso, pois ele tem que mudar as propriedades físicas dele em situações diferentes, de forma que ele armazene ou transfira calor.

6) O projeto também é um teste para algum tipo de nova tecnologia?

As inovações incluem o fluido térmico e os espelhos microcontrolados. A Espanha, por exemplo, utiliza espelhos controlados por satélites e nós não utilizamos isso, que é uma tecnologia mais cara, ao invés disso o nosso sistema determina onde está o sol, onde está a torre, qual a inclinação correta dos espelhos e isso tudo é feito através dos microcontroladores que são bem baratos. Também o alinhamento dos espelhos muito mais simples e mais tranquilo do que para os atuais espelhos que existem aí no mercado.

7) Há alguma ideia para a expansão do projeto para outros lugares? Como isso seria feito?

Não. Acho que o primeiro passo é montar essa planta pequena aqui na universidade, tirar esses dados e depois submeter a um edital específico na área de heliotérmicas. O governo já lançou ano passado um edital de heliotérmicas junto com as concessionárias, mas não conseguimos entrar, pois as concessionárias, por algum motivo, se recusaram a investir nessa tecnologia de heliotérmicas ainda, mas acredito que logo logo devem aparecer outros editais específicos e, assim, nós podermos avançar e conseguirmos recursos para montarmos uma planta bem maior.

8) Por fim, qual é a vantagem de se investir em usinas heliotérmicas em meio a tantas outras formas de energias renováveis?

A heliotérmica, a princípio, não gera nenhum impacto ambiental, mas o grande problema que eu vejo é a área, uma vez que é necessária uma certa área para poder montar os espelhos para que eles possam captar a energia, mas em certas situações isso não é problema. Por exemplo, em certas plantações as plantas precisam de sombra e ao mesmo tempo de iluminação, então fazer a plantação abaixo desses espelhos é uma coisa interessante, então dependendo da região é bem vindo se montar os espelhos próximo a uma dada plantação específica. Outra coisa importante é que as heliotérmicas são muito indicadas para o interior do país onde se tem problema com a falta de vento, considerando que no litoral pode-se montar plantas de energia eólica e será bem eficiente. Mas no interior do país não se tem essa quantidade de vento constante e assim, muitas vezes é mais interessante montar plantas de energia solar. A energia fotovoltaica também é um pouco complicada porque tem-se as oscilações do sol, no sentido que a energia oscila entre uma nuvem e outra e é  preciso um banco de baterias para o controle de manter a tensão constante, o que não é muito legal para o meio ambiente. Assim, a energia fotovoltaica é muito boa para pequenas demandas, mas com uma grande demanda montar uma estação dessa energia  para atender uma cidade ou região é  complicado. E, assim, a energia heliotérmica é uma excelente candidata para montar uma estação para produzir uma quantidade de  energia considerável no interior do país e o Brasil tem as características ideais para isso, pois as temperaturas são boas e a incidência solar também é muito boa. Então o Brasil tem tudo para poder dominar essa tecnologia.

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