Entrevista com a Professora Janaína Gonçalves de Oliveira
Janaína Gonçalves de Oliveira é professora de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora, também graduada na mesma faculdade em 2007. Janaína é licenciada em tecnologia (2009) e possui doutorado em tecnologia pela Universidade de Uppsala, na Suécia, em 2011. Trabalhou como pesquisadora no centro de pesquisas da GE, no Rio de Janeiro, em 2012 e 2013, e trabalhou também como professora associada da Uppsala Universitet entre 2022 e 2023. Janaína tem experiência na área com ênfase em controle de sistemas e eletrônica de potência aplicados ao armazenamento de energia e energias renováveis.
O PET Elétrica realizou a entrevista com a Professora Janaína, que é uma referência dentro da faculdade de engenharia da UFJF, que encontra-se a seguir:
(Outra entrevista já foi realizada com a professora Janaína anteriormente, esta encontra-se neste link: https://energiainteligenteufjf.com.br/entrevista/entrevista-professora-janaina-goncalves-de-oliveira/)
- Quais foram as suas principais motivações para escrever a sua tese de doutorado sobre Power Control Systems in a Flywheel based All-Electric Driveline (Sistemas de controle de potência em uma transmissão totalmente elétrica baseada em volante) na Uppsala Universitet, e quais foram os principais desafios?
Às vezes algumas nomenclaturas nossas são meio ambíguas, portanto, controle de potência tanto pode servir para controles em sistemas de potência num meio permanente, um controle transitório, quanto pode servir para controle em sistemas dinâmicos, de curta duração ou em sistemas cuja taxa de atualização é muito rápida. O meu trabalho não foi premeditado de minha parte, quando eu apliquei para a posição, de maneira inicial, era para trabalhar com sistemas de armazenamento de energia eletromecânica, e eu gostei, achei bacana pois tinham ideias ali que envolviam engenharia elétrica, desenho de máquinas. Aos poucos o trabalho vai se desdobrando. Ao trabalhar com pesquisa, existe essa questão da imprevisibilidade, a gente vai ajustando o caminho para que a tese tenha uma contribuição.
Então muitas vezes aquilo que se previa no começo não é aquilo que vai chegar ao fim. São necessários ajustes no caminho, porque a pesquisa é imprevisível. No meu doutorado, sabíamos que queríamos desenvolver um sistema experimental com aquela tecnologia em voga, tivemos, por fim, um grupo de pesquisa e cada um foi tendo uma área mais delimitada para trabalhar, então eu acabei ficando com toda parte de acionamento desse sistema. Era um sistema eletromecânico e tinha máquinas elétricas, então tínhamos que fazer o desenho dessa máquina, validar o equipamento, olhar para o equipamento e tentar definir qual seria o melhor modo de operação e isso era feito por conversor de potência, chaveado, eletrônico de potência. Portanto, ao falar de Power Control, eu estava me referindo ao controle de potência desses conversores que alimentavam essa máquina, esse sistema de armazenamento eletromecânico. Foi muito interessante, principalmente porque gosto muito de trabalhar em equipe, gosto muito de estar fazendo coisas diferentes do meu colega e poder conversar, ter uma troca, isso foi muito bom. Esse dispositivo Flywheel, na época, estava muito como uma solução alternativa a baterias, então a gente tentando olhar as possibilidades e topologia, mas pra mim particularmente era muito difícil essa parte experimental, porque eu tive pouco contato com trabalho experimental na graduação, então no doutorado tive que programar, mexer em bancada, fazia muita plaquinha. Fazíamos de tudo, desde pegar uma máquina, desenhar, construir, testar, acionar, tudo era feito do zero. Isso era muito difícil, pois como você faz tudo, você chegar num nível de profundidade suficiente, conseguir cientificamente contribuir é muito difícil. Os grandes laboratórios normalmente contratam e tem algumas partes mais simplistas feitas por técnicos ou empresas terceirizadas. Então isso foi muito difícil, mas uma vez que tivemos a bancada, conseguimos fazer testes, validar a topologia, tínhamos máquinas que a gente tinha construído, que o controle funcionava. Depois que já tínhamos uma base, o interessante era testar outras topologias de controle, ver, por exemplo, aplicações para veículo elétrico, para ônibus elétrico, para a própria rede elétrica. Então foi legal mas foi uma coisa que fomos descobrindo durante o caminho e tentando entender onde que a lacuna existia, entendendo as necessidades da sociedade e da indústria. Precisamos estar sempre atualizados, porque não adianta você fazer se não tiver nenhuma utilidade.
- Estagiária em engenharia de projetos, manutenção e sistemas de automação na ArcelorMittal durante 4 meses. Como foi sua experiência no estágio e quais habilidades você foi capaz de desenvolver durante esse período.
Esse estágio foi muito legal. Na minha época já era difícil conseguir estágio e esse era um estágio de férias, era um estágio de 3 meses. Lá fazíamos uma rotatividade grande dentro das áreas da engenharia, então passei por todas as áreas um pouquinho, fiquei na eletrônica, fiquei na manutenção, automação, projetos. Depois, quando acabou o estágio de verão, eles renovaram o meu estágio e eu fiquei como estagiária do projetos. No entanto, na época, eu estava no PET Elétrica e o Chico, ex tutor do PET Elétrica UFJF, me falou que eu tinha que escolher e não dava para ficar com o estágio e o PET ao mesmo tempo. Eu conversei com o meu chefe do estágio e ele me falou que não conseguiriam me dar um suporte para fazer um mestrado, uma vez que não era de interesse da empresa, e isso foi o que me fez decidir sair do estágio nessa época. Eu tinha um interesse acadêmico muito forte e sair do PET era algo que eu não queria, eu era muito ativa e muito engajada.
Durante os 5 meses que fiquei, uma coisa que foi muito legal pra mim foi obviamente a parte técnica, porque lembro que eu trabalhava muito com máquinas, principalmente a parte de manutencao de maquinas e eu tinha muita dificuldade com isso porque eu tinha feito as disciplinas e tinha ido bem, mas o meu contato com as máquinas físicas era muito limitado. Portanto, quando eu tive contato de identificar, analisar topologia e ver quando tava dando falha, foi muito legal, muito fundamental para mim. Lembro muito também do chefe de manutenção, de ir na sala dele, dele explicar, de me passar material e de não ter vergonha de perguntar, mas pedir materiais para poder estudar. Isso fazia toda diferença. Tinham muitas pessoas que gostavam de compartilhar conhecimento, até porque tinham pessoas que conheciam a usina com a palma da mão, tinham trabalhado há 50 anos lá. Eu gostava muito de absorver essas informações deles. Foi relativamente limitado, fiquei 5 meses e tive que sair, mas foi uma experiência muito legal. Se eu pudesse recomendaria para todos.
- Quais foram suas principais motivações para seguir carreira acadêmica?
Isso vai desde sempre. Desde antes de saber que existia mestrado e doutorado, eu sempre quis trabalhar com tecnologia, gostava muito. Na época da escola, no ensino médio, eu já tinha um encanto muito grande com a revista de tecnologia. Eu nunca fui de abrir, construir e desconstruir coisas, mas eu gostava muito de entender como tudo funcionava, como o avião voa, como a TV funciona. Quando eu fui fazer faculdade, logo de cara entrei pro PET, comecei a fazer minhas iniciações científicas. Eu tinha mais autonomia para procurar o professor que eu ia trabalhar, fiz desde o segundo período da faculdade. Era apaixonada por ciência e tecnologia. Quando eu estava no quinto período, fui fazer um estágio de verão em Campinas, no laboratório que hoje chama-se CNPEM, então foi aí que a minha paixão ficou muito fácil de perceber. Quando eu cheguei lá e vi o que era aquele lugar, os pesquisadores, aquilo foi para mim certo, é isso que eu quero mesmo. Então para mim isso foi sempre relativamente fácil, o difícil é entender que é isso que você quer fazer e fazer no Brasil.
- Como o PET contribuiu na sua formação em termos de aumento de oportunidades e capacitação?
O PET foi o que me fez não desistir da engenharia elétrica. Paralelo a questão da formação, o PET para mim é um local de acolhimento, sempre foi um local onde a gente conversava, tinha o contato com os alunos mais velhos, tinha uma perspectiva diferente. Acho que na parte técnica, de projetos que desenvolvi no PET, como eu disse na resposta anterior, eu sempre tive as minhas Iniciações Científicas que eu fazia e contava como projetos do PET, mas acabava sendo com outros professores na parte técnica que não o tutor. Mas eu estava muito ativa nos projetos de cunho transversal do PET, então qualquer evento de soft skills eu gostava muito. O Chico sempre fazia a gente ter debates, apresentações sobre temas que estavam em alta, como por exemplo, porte de armas, questão de inflação e política econômica, já cheguei a fazer palestra sobre o acidente Chernobyl. Então sou muito grata aos anos que vivi lá e acho que me ajudou a ser uma pessoa mais abrangente da minha capacidade de olhar, discutir, interpretar e muito de apresentar, no meu trato, na minha forma de elaborar e apresentar as questões, acho que isso foi muito importante pra mim. Mas o acolhimento, o pertencimento, isso era também uma das questões que mais me ajudou durante o tempo na faculdade.
- Quais foram os maiores desafios, como mulher, durante o curso de engenharia e depois, como professora da UFJF?
Como aluna de engenharia, eu acredito que não me dei conta que era difícil até eu descobrir que essa demanda existia. Durante o tempo que eu estava na faculdade, apesar de eu ter participado do WIE (Women in Engineering, projeto do IEEE) e de tratar isso, não era tão claro. Hoje, acredito que a gente tem mais espaço para conversar. Então, voltando, não houve um desafio consciente, entende? Não tinha consciência de que eu teria que vencer alguma coisa. Nós, mulheres, íamos muito bem nas provas, nós nos dávamos força. Isso era muito bacana.
Os meninos faziam piadas, por exemplo: “você só tirou nota boa porque você veio de saia”, “você só tirou nota boa porque você foi tirar dúvida com o professor de camiseta”. Essas piadas diminuem a sua capacidade pelo seu gênero e isso foi muito forte. Muitas vezes eu tive que ouvir piadas desse tipo, principalmente quando meu contrato foi renovado na ArcelorMittal. Eu ouvi de colegas que só foi renovado porque eu sou mulher. Isso aconteceu inúmeras vezes e naquela época eu não tinha consciência. Mesmo que eu falasse que não tinha nada a ver, eu pensava dentro de mim: “será?”. Então, os comentários fazem você, de uma certa forma, desacreditar da sua capacidade. Foi bem difícil, mas hoje tratamos isso de uma forma completamente diferente. Naquela época tínhamos o desconhecimento.
Atualmente, eu acredito que meu grande desafio é a maternidade, ela foi um divisor de águas pra mim principalmente porque a gente carece de políticas públicas e de apoio institucional. Não tem como ir de igual para igual em um sistema de produtivismo, onde você é medido pela quantidade: a quantidade de artigos que você produz, a quantidade de alunos que você orienta. Hoje estamos percebendo muitos movimentos, do CNPq, movimentos da Capes, movimentos de grande pressão na sociedade para tentar trazer políticas mais acolhedoras. A minha percepção é que depois de ser mãe eu não consigo desligar, estou sempre preocupada com meus filhos, minha casa, com as demandas deles e isso toma muito tempo, então mesmo que a gente trabalhe muito para ter uma boa performance, coloque-se assim, acho que ainda é muito difícil, falando na minha realidade, que se aplica a uma boa parte das mães, professoras e pesquisadoras. A escola não é integral, escola é meio período e a não ser que você tenha um ganho financeiro muito bom para conseguir ou ter escola integral, que é caro, ou ter alguém, um pai que vai te ajudar, uma boa rede de apoio, você realmente fica com uma situação complicada. Meus filhos são muito próximos a mim e sou uma mãe muito presente, mas às vezes trabalhamos muito e a minha filha fala: “mas mamãe, porque você trabalha tanto?” e mesmo gerando essa impressão nos meus filhos de que eu trabalho tanto, o tanto que eu faço as vezes não é suficiente, não pros agentes avaliadores. Então esse é meu grande desafio como professora, como pesquisadora.
- Como você luta com as desigualdades de gênero como professora da UFJF?
Acho que a gente luta para trazer esclarecimento, para de alguma maneira apoiar as manifestações que vão junto a políticas públicas, porque sem políticas públicas não tem como resolver esse problema. E claro, trazendo espaços igual esses que vocês vão trazer com o projeto Mulheres na Ciência e Tecnologia de discussão, pra gente tentar elucidar essas comparações infelizes em termos de produtividade, de autocuidado, de aparência, de como essa pessoa pode ou não estar contra as coisas. Então precisamos de um olhar mais carinhoso da sociedade para as mães, avaliadoras, mães de todos os setores. Acredito que é algo que a gente carece. E também o entendimento que não é o trabalho de uma só pessoa, é o trabalho de um conjunto, então isso tem que ser melhor compartilhado.
- Qual seria a sua principal recomendação para um aluno que cursa engenharia elétrica hoje na faculdade? E uma aluna?
Quanto conhecimento me foi oferecido e eu não recebi de maneira integral? Eu percebo que hoje no meu trabalho muitas vezes eu preciso aprender coisas, gosto muito de aprender do outro. E eu fico pensando quantas oportunidades eu tive de estar próxima e ter aula com pessoas fenomenais e eu não me esforcei suficiente para receber o que aquela pessoa tinha para me dar. Então muitas vezes eu sei que estamos cansados, prestar atenção hoje é um desafio enorme nessa época de era digital, ficar sentado dois tempos de 50 minutos. Mas a gente precisa, como aluno, tentar repensar um pouco em como a gente está recebendo o conhecimento que está sendo recebido. Será que eu to recebendo igual um robô somente? E pedir ajuda, falar que está com dificuldade de prestar atenção, está com dificuldade de aprender, porque aquela oportunidade que temos ali não vai voltar. Ninguém vai te oferecer conhecimento de uma forma tão gratuita quanto na faculdade. Meu conselho é receber esse conhecimento que é oferecido de maneira pública e gratuita dentro da universidade e quando possível buscar mais.
Para uma aluna, eu falaria que vai ser difícil, é difícil para homem também, mas para mulher é geralmente um pouquinho mais difícil. O negócio é não desistir, perseverar, tentar e falar, quando acontecer alguma coisa, quando se sentir assediada, se sentir pressionada, sensibilizada, tem que ser falado, que é algo que eu não fiz nessas situações da minha vida.