Entrevista: Chico Gomes e o Programa Educação Tutorial – PET Elétrica
Francisco José Gomes possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1974), mestrado em Ciências e Técnicas Nucleares pela Universidade Federal de Minas Gerais (1980), doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (1989) e Pós-doutorado em Educação em Engenharia pela Universidade do Minho. Atualmente é professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora. Tem experiência nas áreas de Engenharia Elétrica e Educação em Engenharia, com ênfase em Automação Eletrônica de Processos Elétricos e Industriais, atuando principalmente nos seguintes temas: Controle de processos industriais, Controladores PID, Controladores Nebulosos, Modelagem de Processos e Controle em Tempo Real. Atua na área de Otimização de Processos, bem como em Planejamento e Gestão de Processos. Na área de Educação em Engenharia, é Tutor do Programa de Educação Tutorial do curso de Engenharia Elétrica desde 1991, tendo implantado este programa na UFJF, com várias publicações sobre o tema de Educação em Engenharia.
1. O que o motivou a fundar o programa de educação tutorial – PET elétrica?
O início do programa PET – Engenharia Elétrica ocorreu em 1991, quando eu iniciava minha vida docente na UFJF. Tomei conhecimento de um Edital, lançado pela Capes, para que os interessados submetessem propostas para implantar o “Programa Especial de Treinamento”, como então se denominava o PET. Submeti o projeto, que foi então aprovado pela Capes e permitiu o início pioneiro do Programa PET no curso de Engenharia Elétrica, pois o programa ainda não existia na UFJF. Minha motivação, nesta época, foi a possibilidade de poder ter alunos para orientação e desenvolvimento de trabalhos que eu tinha em mente, possibilitando que desenvolvessem uma forte base técnica. Não tinha ainda, conceitualmente, a visão sobre os processos de educação em engenharia, a formação dos perfis profissionais adequados às demandas sociais, a formação de um profissional com visão cidadã e preocupação social. Por minha formação anterior, e trabalho como engenheiro de projetos na área nuclear, eu tinha uma visão empírica sobre a importância das competências transversais, os denominados “soft skills“, no perfil de um engenheiro, mas não tinha a compreensão que podiam ser trabalhados, desenvolvidos e reforçados nos processos de educação em engenharia. Esta consciência só foi se formando e solidificando gradualmente. Assim, posso afirmar que a motivação inicial foi construir um espaço de aprendizagem onde os alunos pudessem desenvolver uma forte capacitação técnica e dominar os conhecimentos necessários à profissão de Engenheiro Eletricista.
2. Cite os projetos que você considera de maior destaque dentro desses 25 anos.
É difícil considerar os projetos desenvolvidos sobre este enfoque, pois possuem objetivos distintos. Existem projetos que possuem foco maior na capacitação técnica dos petianos, existem outros que possuem maior foco no reforço das competências transversais e outros que constituem uma mescla destes dois objetivos. São, portanto, projetos distintos, com objetivos distintos demandando, naturalmente, atividades e posturas também diversificadas. O que posso afirmar é que existiram projetos que deixaram boas lembranças, em todos os envolvidos. Cito, por exemplo, os Programas de Mobilidade Acadêmica – PMA, desenvolvidos pelo PET em parceria com o LENEER – Laboratório de Eficiência Energética, em duas edições. Recebíamos, neste projeto, cerca de 40 alunos de todo o país, e mesmo do exterior, em cada edição, que passavam cerca de 10 dias na UFJF desenvolvendo atividades variadas, como Oficinas de Eficiência Energética, Minicursos, Visitas Técnicas, Palestras, tudo organizado pelos petianos e bolsistas do LENEER. Era um ambiente de muito trabalho, mas muita empolgação, animação e confraternização. Todos os envolvidos possuem ótimas lembranças destes projetos. Mesmo após o término do projeto, recebíamos, constantemente, de todo o país, pedidos de informação sobre a data de início da nova edição do projeto e como se inscrever, e muitos agradecimentos e cumprimentos, por parte dos participantes, pela realização destes projetos
3. Por que a prioridade pelo uso do método PjBL? Qual a diferencial desse método em relação aos demais usados na educação em engenharia?
O Aprendizado Baseado em Projetos – ABP, ou “Project Based Learning -PjBL“, na grafia original – é uma das muitas estratégias de aprendizagem ativa utilizadas atualmente, principalmente por grande parcelas das universidade de destaque no mundo. No Brasil, infelizmente, só agora começa a despertar maior atenção, podendo-se assinalar algumas experiências pioneiras. A estratégia PjBL se desenvolve a partir de um projeto, que deve ser desenvolvido pelos alunos, em equipe, preferencialmente em equipes multidisciplinares, sob a supervisão do Tutor, ou um professor facilitador. Um aspecto importante desta estratégia, em linhas gerais, é que o projeto demande conhecimentos técnicos ainda não trabalhados pelos alunos, que deverão fazê-lo durante o desenvolvimento do projeto, à medida que as dificuldades técnicas forem surgindo e demandarem conhecimentos específicos, ainda não dominados pelos alunos. Esta aprendizagem, de caráter indutivo, é fortalecida e consolidada, à medida que os alunos constroem estes conhecimentos, de acordo com as demandas do projeto, aplicando-os para resolver os problemas que vão surgindo. Um aspecto interessante do PjBL, que recomenda sua aplicação na engenharia, é o fato de ser este um ambiente comum aos engenheiros: desenvolver projetos em equipe. Os alunos, desta forma, ao se envolverem em uma estratégia de aprendizagem PjBL, emulam uma situação profissional futura com a qual, seguramente, irão conviver.
Existem diversas estratégias de aprendizagem ativa, que podem ser utilizadas de forma isolada, ou associadas à outras posturas. Suas especificidades recomendam-nas para situações distintas. Por exemplo, o PBL (” Problem-Based Learning”) possui maior aderência com a área de Ciências Médicas, onde é bastante utilizada. Por outro lado, o “Case Study” é muito utilizado na nos cursos ligados às Ciências Sociais. Nesta direção, eu poderia dizer que o PjBL tem algumas especificidades que contemplam, de forma mais próxima, as engenharias. Mas diversas outras estratégias de aprendizagem ativa podem ser também utilizadas na engenharia como, por exemplo, as aprendizagens colaborativa e cooperativa. Cada método tem sua especificidade, mas também pontos em comuns: são sempre metodologias ativas, centradas no aluno, com visão indutiva do processo de aprendizagem. Cabe ao professor, em função dos objetivos educacionais estabelecidos, de seu conhecimento e infraestrutura disponível, optar pela postura pedagógica que achar mais adequada.
4. Quais os impactos notados no aprendizado dos alunos depois da adoção desse método?
É inegável que as estratégias de aprendizagem ativa, indutivas, como o PjBL, podem gerar impactos mais consistentes na formação dos alunos. Embora seja um pouco complexo fazer estas comparações, pode-se afirmar que os resultados alcançados pelo PET são destacados. Esta afirmação decorre não somente de uma avaliação de minha parte, mas sim das diversas autoavaliações, colocações e visões dos próprios alunos. Há que se destacar, contudo, que os impactos na aprendizagem dos alunos, que desenvolvem atividades dentro do PET, são decorrentes não somente da execução da estratégia PjBL para os projetos dos quais participam, mas sim do conjunto de ações que realizam. Destaco, por exemplo, nossas reuniões semanais em inglês, as palestras semanais, também em inglês, de responsabilidade dos petianos, a coordenação, em sistema de rodízio, dos diversos projetos, como o LinusBot, Calouro Web 2.0 e Engenharia nas Escolas, entre outras atividades. Os resultados das avaliações e autoavaliações já realizadas, mostram que os egressos, adicionalmente ao conhecimento técnico, destacam pontos como o trabalho em equipe, a capacidade de comunicação, a gestão de conflitos, a aprendizagem interdependente e a melhoria da gestão como aspectos que foram desenvolvidos e reforçados nas atividades desenvolvidas dentro do PET. Estas são competências que, infelizmente, não são trabalhadas nas aulas expositivas convencionais, razão pela qual são priorizadas nas atividades desenvolvidas no PET.
5. Finalmente, o que o PET acrescentou em sua vida? Qual o legado você acredita ter deixado para o programa? E quais são os novos desafios para a educação tutorial e para a educação em engenharia?
Após todos estes anos dedicados ao PET e à educação tutorial, posso afirmar com segurança, que foi um período de formação como professor e crescimento de minha visão sobre a educação em engenharia. Ao iniciar o programa PET na UFJF, eu não tinha consciências dos conceitos e bases teóricas que sustentam a relação ensino-aprendizagem na formação dos engenheiros. Minha atividade como tutor do PET permitiu que eu desenvolvesse esta visão e, mais que isto, pudesse utilizá-la nos trabalhos e atividades que realizamos. Mas destaco outro aspecto extremamente importante: consegui, com este trabalho e convívio com todos os alunos que passaram pelo PET, ter uma visão mais ampla do processo de formação dos alunos e da responsabilidade do professor neste processo. Digo, com toda certeza, que fui um privilegiado por ter tido a oportunidade de vivenciar esta experiência da tutoria por um período tão longo. Todo este relacionamento diferenciado com os alunos, durante este período, me propiciou um crescimento não só como professor, mas também, e principalmente, como ser humano. Como eu mesmo já disse em outra ocasião, no “Programa de Educação Tutorial – PET da Engenharia Elétrica aprendemos a construir juntos um árduo, mas gratificante, aprendizado sobre o significado real da palavra EDUCAR”!
Ao deixar a tutoria do PET- Engenharia Elétrica, sinto que cumpri meu dever. Deixo um grupo consolidado, responsável, ativo e ciente das obrigações que devem assumir, não só para sua própria formação, mas para a de todos os demais alunos da Faculdade. Acima de tudo, um grupo de amigos!
Creio que os novos desafios colocados para a educação tutorial e para educação em engenharia, são os mesmos “velhos” desafios de sempre: empenhar-se para alterar os procedimentos e metodologias pedagógicas defasadas que não formam os profissionais que a sociedade demanda com as competências técnicas necessárias, aliadas à uma consciência cidadã, um perfil humanista e uma visão crítica dos processos sociais.