Quanto Gasta a IA para te Ouvir?

Uma revolução tecnológica que cobra seu preço ambiental
A inteligência artificial (IA) vem transformando rapidamente diversos setores da sociedade da educação à indústria, das artes à saúde. Só em 2024, cerca de 74% das empresas globais já adotavam algum tipo de tecnologia de IA, um crescimento significativo em relação aos 55% registrados no ano anterior . Essa ascensão é impulsionada, sobretudo, pela IA generativa, que é capaz de produzir textos, imagens, músicas, códigos e até vídeos a partir de simples comandos humanos.
No entanto, por trás desse avanço acelerado, esconde-se um custo ambiental crescente e muitas vezes ignorado: o consumo massivo de energia elétrica necessário para treinar e operar esses sistemas. A IA, hoje, é um vetor importante de demanda energética global, e seu impacto sobre o meio ambiente está longe de ser insignificante.
Como a IA consome energia
Quando falamos em inteligência artificial, é fácil imaginar apenas os resultados: respostas rápidas, imagens geradas em segundos, ou algoritmos que aprendem sozinhos. O que raramente aparece é o motor invisível que faz tudo isso funcionar e que consome muita energia para manter-se ativo.
A IA opera dentro de estruturas conhecidas como data centers. Esses centros de processamento espalhados pelo mundo abrigam milhares de servidores que trabalham em regime ininterrupto. Eles precisam estar sempre online para manter em funcionamento as redes neurais que sustentam plataformas como o ChatGPT ou ferramentas de geração de imagem. Mesmo ações aparentemente simples, como uma busca por texto, exigem poder computacional suficiente para movimentar uma cadeia inteira de processos. É como acender dezenas de lâmpadas ao mesmo tempo, ainda que por poucos segundos.
O impacto desse funcionamento constante já é mensurável. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), os data centers foram responsáveis por algo entre 1% e 1,3% do consumo total de eletricidade no mundo em 2022, com projeções que indicam uma possível duplicação dessa demanda até 2026.
O cenário se intensifica quando consideramos o processo de treinamento dos sistemas de IA. Treinar um modelo robusto de linguagem ou imagem pode levar meses e demandar uma carga elétrica comparável ao consumo anual de uma residência inteira de médio porte, conforme explicou o pesquisador Denis Bruno Viríssimo, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
E o consumo não para no treinamento. A manutenção diária de uma IA respondendo a milhões de interações também exige um aparato técnico que gera uma quantidade enorme de calor. Como qualquer computador sob esforço, esses servidores aquecem. O calor acumulado é dissipado por sistemas de resfriamento avançados que, por sua vez, também consomem energia em larga escala. De forma geral, cerca de 25% da eletricidade total gasta por um data center é destinada apenas ao resfriamento das máquinas.
Além disso, resfriar servidores não depende apenas de eletricidade: consome água. Estimativas indicam que processar cerca de 50 interações com IA pode exigir meio litro de água apenas para manter os equipamentos em temperatura segura. Em locais onde a escassez hídrica já é um problema, esse dado levanta sérias preocupações.
Gerar imagens com inteligência artificial demanda significativamente mais energia do que responder perguntas em linguagem natural. No auge de sua popularidade, a OpenAI informou que, em apenas uma hora, cerca de 1 milhão de novos usuários acessaram sua plataforma, produzindo cerca de 3 milhões de imagens em um único dia. Com base nesses dados, estima-se que, apenas nesse período inicial de 60 minutos, o sistema tenha consumido aproximadamente 75 mil litros de água apenas para o resfriamento dos servidores.
Esse volume de demanda energética e hídrica fez com que especialistas passassem a comparar o consumo de IA ao de países inteiros. De forma ainda mais tangível, gerar 1.000 imagens com ferramentas baseadas em IA como o modelo Stable Diffusion XL, pode liberar na atmosfera uma quantidade de dióxido de carbono semelhante à produzida por um carro a gasolina em um percurso de mais de seis quilômetros.

Gentileza também tem custo: como dizer “por favor” ao ChatGPT pode consumir mais energia
Interagir com inteligência artificial de maneira educada pode parecer apenas um gesto de cortesia, mas, segundo Sam Altman, CEO da OpenAI, isso tem um custo energético real. Em tom de brincadeira, Altman comentou que o uso frequente de expressões como “por favor” e “obrigado” no ChatGPT pode, sim, aumentar o consumo de recursos computacionais da plataforma.
A explicação está no próprio funcionamento dos modelos de IA generativa, como o GPT-4. Essas ferramentas operam como “máquinas de previsão linguística”, ajustando suas respostas conforme o tom, a estrutura e a complexidade do pedido. Quando a solicitação é feita de forma mais natural, polida e bem redigida, o sistema tende a gerar respostas mais elaboradas e sofisticadas o que, por sua vez, demanda mais poder de processamento. Ou seja, interações “humanizadas” com a IA mesmo que bem-intencionadas podem acionar cadeias de processamento mais exigentes.
Consequências ambientais e sociais
O crescimento exponencial no uso da IA e sua demanda energética trazem implicações preocupantes:
- Emissões de carbono: A energia consumida ainda depende fortemente de fontes fósseis. Estima-se que as emissões ligadas à operação de IA podem atingir 300 milhões de toneladas de CO₂ até 2035
- Uso de água potável: Muitos sistemas de resfriamento de data centers utilizam água em grandes quantidades, o que preocupa especialistas,
- Risco de reabilitação de fontes poluentes: A demanda pode provocar a reativação de usinas a carvão e gás natural para atender à nova carga, retrocedendo conquistas ambientais dos últimos anos

A Falta de Transparência
Um dos maiores obstáculos para mensurar com exatidão o impacto ambiental da IA é a escassez de dados públicos sobre o consumo energético real dessas tecnologias. Empresas como OpenAI, Google e Microsoft têm evitado divulgar números precisos, mesmo quando pressionadas por pesquisadores e organizações ambientais. Essa falta de transparência dificulta tanto a regulamentação quanto a adoção de práticas mais sustentáveis por parte do setor.
Caminhos sustentáveis: Green AI
Apesar do cenário preocupante, a inteligência artificial também pode ser parte da solução , desde que seus sistemas sejam desenhados com foco na sustentabilidade. Surgem, nesse contexto, movimentos como o Green AI, que propõem o desenvolvimento de algoritmos mais eficientes, com menor consumo de energia e menor emissão de carbono.
Além disso, centros de pesquisa e empresas vêm investindo em inovações como o Green Deep Learning, que otimiza o treinamento de redes neurais profundas, e em estruturas de processamento com maior eficiência térmica e menor impacto ambiental
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), há um apelo crescente para que data centers utilizem fontes renováveis e adotem métricas formais de eficiência energética, especialmente em países desenvolvidos.

China testa centro de dados subaquático para tornar a IA mais sustentável
A China inaugurou o primeiro centro de dados subaquático comercial do mundo, instalado na costa da província de Hainan. A ideia é aproveitar a água do mar como sistema natural de resfriamento, o que ajuda a reduzir o gasto de energia que normalmente seria usado em sistemas de climatização tradicionais.
Esse data center ifoi projetado com potência de sobra. Ele conta com mais de 400 servidores de alto desempenho, com capacidade de processamento equivalente a 30 mil computadores gamer de última geração funcionando ao mesmo tempo. Isso permite que a estrutura suporte até 7 mil interações por segundo com o DeepSeek. Além de responder perguntas, esse poder de computação também é usado em tarefas pesadas, como treinamento de modelos, simulações industriais e criação de jogos.

Conclusão
A inteligência artificial representa uma revolução sem precedentes em termos de inovação, produtividade e transformação digital. No entanto, seu custo energético e ambiental não pode ser negligenciado. É urgente que empresas, governos e usuários finais passem a refletir criticamente sobre o modelo de desenvolvimento dessa tecnologia.
A sustentabilidade da IA não será alcançada apenas com mais eficiência técnica, mas também com mais responsabilidade política e ética. Sem isso, corremos o risco de alimentar uma tecnologia que, enquanto resolve problemas, contribui para a criação de outros ainda maiores.
Referências
Leia mais em:
- https://olhardigital.com.br/2024/02/23/pro/quanta-energia-a-ia-gasta/
- https://exame.com/inteligencia-artificial/chatgpt-consome-17-mil-vezes-mais-eletricidade-do-que-a-media-das-casas-nos-eua/
- https://fastcompanybrasil.com/news/ia-gasta-muito-mais-energia-do-que-voce-imagina-veja-projecoes-ate-2030/
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2025/04/10/demanda-de-eletricidade-para-centros-de-dados-mais-que-dobrara-por-causa-da-ia.htm
- https://mittechreview.com.br/ia-e-consumo-de-energia/
- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/01/24/inteligencia-artificial-tecnologia-demanda-geracao-colossal-de-energia-eletrica-entenda.ghtml
- https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/uso-de-inteligencia-artificial-aumenta-e-alcanca-72-das-empresas-diz-pesquisa/
- https://br.nttdata.com/insights/blog/a-relacao-entre-ia-e-consumo-energetico
- https://www.uninter.com/noticias/inteligencia-artificial-e-o-desafio-da-poluicao-ambiental