Mineiros testam energia solar gerada em casa
Micro usinas solares residenciais ganham força em meio à crise do setor. Em Minas Gerais, 62 consumidores testam fonte alternativa com placas de silício, mas projeto ainda é caro
Como um pingo da chuva que chega sem vontade às áreas mais castigadas pela seca deste ano em Minas Gerais, os primeiros 62 consumidores de energia elétrica movida à luz do sol no estado testam uma fonte alternativa que tem potencial para fazer frente à dependência do Brasil da hidreletricidade. Mas o modelo apenas engatinha. Cerca de 6,5 milhões de consumidores residenciais são atendidos pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), com a predominância da geração condicionada aos grandes reservatórios de água. Impulsionadas pela crise do setor elétrico, as micro usinas solares ganham atenção e a demanda desses projetos surpreende, embora ainda concentrada nas famílias de maior poder aquisitivo e na população que valoriza insumos limpos e renováveis.
Segundo estimativa da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), 90% dos cerca de 250 sistemas de micro e mini geração conectados à redes das companhias distribuidoras no país usam os painéis fotovoltaicos, grandes placas que contêm células de silício capazes de converter a luz solar em energia elétrica. Se parece pouco, o diretor-executivo da instituição, Rodrigo Sauaia, mantém o entusiasmo ao falar desse mercado, que começou a surgir há pouco menos de dois anos, com tecnologia considerada robusta e equipamentos que oferecem 25 anos de garantia.
“É um tema que necessita de educação e divulgação. Alemanha, Estados Unidos, Japão e China têm investido muito mais nessa fonte alternativa de energia”, afirma. A crise do setor elétrico, a alta dos preços provocada pela estiagem prolongada e o acionamento das termelétricas aliviaram o peso dos desafios que as usinas solares residenciais enfrentam, mas não a necessidade apontada por analistas da área de energia de que sejam criados incentivos ao investimento na geração solar. À tributação que persiste sobre o consumidor que opta pelo sistema, juntam-se a proibição da venda do insumo, os equipamentos caros e a falta de linhas de financiamento para os projetos, pequenos ou aqueles em escala industrial.
Com a experiência profissional de atuação no setor elétrico e, agora, de ter se tornado um dos novos usuários da energia produzida em microusina solar, Walter Fróes, diretor-geral da CMU Comercializadora de Energia, com sede em Belo Horizonte, decidiu testar esse mercado. “Futuro a energia solar tem, mas ainda é cara, embora o preço da energia na rede convencional esteja em crescimento com o acionamento das termelétricas”, afirma. Na casa onde mora no Bairro Mangabeiras, na Zona Sul da capital mineira, ele investiu R$ 80 mil num sistema estruturado em 36 painéis fotovoltaicos de 250 watts (W) cada um, com capacidade para gerar 8 mil quilowatts (kW) no sol a pino.
Convertida na eletricidade que alimenta a residência, da área externa de lazer aos quartos e à cozinha, a energia produzida será suficiente para promover descontos nas contas de luz da casa e do escritório de Walter Fróes. Ele espera começar a usufruir do benefício da redução da conta, que hoje passa de R$ 800 mensais, dentro de no máximo dois meses. Um medidor bidirecional , que compõe o sistema das usinas geradoras, faz o balanço entre a energia gerada durante o dia, que, além de suprir a demanda da família de Fróes, entra na rede da companhia de energia, e o caminho inverso, ou seja, o insumo que sai da rede distribuidora e os atende à noite, principalmente.
O gasto com os equipamentos somente se pagará, no entanto, dentro de 12 a 14 anos. Fróes lembra que na conta dos benefícios da micro geração solar há de se considerar, ainda, o conforto de o consumidor poder fugir das perdas de energia ocorridas no sistema convencional de transmissão e distribuição no Brasil, calculadas em 13%. Na disputa com a hidreletricidade e outras fontes mais difundidas de geração de energia, a grande questão que se coloca para as renováveis é como estocá-las. “Se pudéssemos captar e armazenar toda a energia que emana do sol para a Terra ao longo de um único dia, sustentaríamos o planeta com energia suficiente por um ano e meio”, compara Fróes.
Grandes Projetos
A partir de 2017, 31 grandes projetos de geração de energia solar com capacidade instalada para 1.048 megawatts vão participar da rede nacional. Os empreendimentos resultam do leilão púbico realizado em 31 de outubro, em que o governo fez contratos de compra pelo preço médio de R$ 215,12 o megawatt-hora. A Renova Energia, dedicada à geração de energia renovável, foi um dos grandes vencedores e lançará um complexo híbrido de energia solar e eólica. O diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Pedro Pileggi, afirma que o mercado da geração solar não deslanchou em razão de preços ainda altos. A empresa, que tem a Cemig como acionista, firmou contrato de fornecimento com a fabricante de painéis fotovoltaicos Sunedison, que deverá implantar em 2016 e 2017 a primeira unidade fabril brasileira do produto. “Já faz sentido o investimento na geração solar no Brasil”, afirma Pileggi.
Entraves na legislação
A Cemig estima em 60 dias, na média dos projetos analisados, o prazo para as micro usinas de geração solar estarem ligadas à rede da distribuidora, proporcionando, então, a redução na conta de energia do empreendedor do sistema. A legislação brasileira, contudo, difere do regime adotado na Alemanha e nos Estados Unidos, que estimulam essas pequenas geradoras, permitindo que o consumidor venda a energia excedente e a preços competitivos. Com base na Resolução 482, de 2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que criou um esquema de compensação tarifária, o cliente paga a diferença entre o que consumiu do fornecimento da concessionária e a quantidade que seu sistema produziu, podendo limitar o pagamento mensal às taxas de iluminação pública e o devido pelos serviços de medição feitos pela companhia.
Os créditos referentes à energia adicional àquela consumida, que o consumidor permitiu ingressar na rede da distribuidora, têm de ser usados como desconto na conta de luz em 36 meses. Do contrário, ele perde o direito ao benefício. A regra exige, portanto, que o sistema seja muito bem dimensionado a favor do usuário. As mini usinas solares chegaram com atraso no Brasil, mas têm grande futuro, na avaliação do superintendente de tecnologias e alternativas energéticas da Cemig, Alexandre Bueno.
“Os painéis de aquecimento de água chegaram devagar e hoje os conjuntos habitacionais já nascem com esses projetos definidos. Com a energia solar vai ocorrer o mesmo”, afirma. Bueno estima que são necessárias 12 células fotovoltaicas de silício para atender quatro pessoas de uma família de classe média, com consumo de 300 quilowatts-hora (kWh) por mês. O custo de implantação soma cerca de R$ 20 mil com o sistema, em geral projetado para durar de 20 a 25 anos.
Para o gerente de regulação da empresa de consultoria Safira Energia, Fábio Cuberos, o potencial da geração de energia solar ficará subutilizado no Brasil com as limitações do benefício para quem investe no sistema. “Permitir a venda da energia estimularia as pessoas a colocar potências maiores em casa. Precisamos aprimorar a legislação nesse sentido, o que aumentaria muito a procura e provocaria a baixa de preços do sistema”, afirma.
O engenheiro Euler de Carvalho Cruz, um dos pioneiros das microusinas solares em BH, não só concorda com a necessidade de mudanças na legislação, como gostaria de investir mais nesses sistemas. Depois de investir R$ 20 mil num sistema que produz 420 kWh na casa em que vive com a família, no Bairro Taquaril, na Zona Leste de BH, ele acumula em créditos 2.000 kWh. Rodrigo Sauaia, diretor-executivo da Absolar, diz que os custos de implantação das pequenas usinas solares caíram cerca de 80% na última década e tendem a baratear 5% a 10% ao ano.
Fonte: EM