Hidrogênio: um mercado comparável ao do petróleo
Por Júlio Santos, da Agência Ambiente Energia – A corrida para a economia do hidrogênio já superou muitas etapas, como mostra a evolução desta tecnologia nos Estados Unidos, Japão e países da Europa. Apesar de ainda mais distante nesta caminhada, o Brasil vem, nos últimos anos, procurando fazer a lição de casa para ser um competidor de renome. Só que algumas barreiras precisam ficar para trás, segundo Paulo Fabrício Palhavam Ferreira, consultor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) na elaboração do estudo “Hidrogênio energético no Brasil – Subsídios para políticas de competitividade: 2010-2025″.
“Ainda necessitamos de grandes esforços em pesquisa e desenvolvimento, se desejamos nos tornar detentores desta tecnologia. O arcabouço regulatório ainda é muito pequeno e a indústria nacional necessita de incentivos para desenvolver esta tecnologia”, aponta ele nesta entrevista, exclusiva ao Portal Ambiente Energia. Para Paulo Palhavam, a economia do hidrogênio pode, no futuro, representar um mercado comparável ao do petróleo.
Agência Ambiente Energia – Na concepção do estudo, que fatores ou condicionantes foram levados em conta?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – O estudo levou em consideração os principais documentos brasileiros referentes à tecnologia do hidrogênio, isto é o Roteiro para a Estruturação da Economia do Hidrogênio no Brasil (MME, 2005) e o Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Economia do Hidrogênio (ProH2, MCT, 2002). O estudo manteve as principais conclusões obtidas nos documentos oficiais tais como tecnologias e aplicações prioritárias.
Além dos documentos oficiais, o estudo recebeu contribuições de diversos especialistas dos setores acadêmico, industrial e institucional (MME, MCT, MMA, MDIC, ABNT, INMETRO, ABDI, entro outros). As contribuições foram obtidas através de consulta realizada pela internet e em um workshop reunindo mais de 50 especialistas.
Agência Ambinte Energia- Quais são as principais conclusões do estudo?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – Dentre as principais conclusões do estudo pode-se citar: necessidade da realização de projetos de demonstração e compras governamentais; abertura de editais de subvenção econômica para empresas localizadas em todo o território nacional com a indicação de temas relacionados à tecnologia do hidrogênio como área de interesse e/ou abertura de linhas de financiamento do BNDES; realização, por intermédio da ABNT, Inmetro e CENEH e em colaboração com universidades, institutos tecnológicos e empresas, da tradução e adaptação das normas internacionais sobre utilização dohidrogênio energético; dar continuidade ao PROH2, Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Economia do Hidrogênio, do MCT; adicionar 1% a 10%m3/m3 de hidrogênio produzido a partir de energias renováveis ao gás natural utilizado no país; e diminuir significativamente a carga tributária nas tarifas da eletricidade e etanol quando utilizados na produção e hidrogênio por eletrólise da água e reforma.
Outras conclusões são o investimento no curto prazo, com recursos do CNPq, Finep e das fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) nas áreas de eletrólise da água, reforma de hidrocarbonetos e gaseificação de biomassa; revisar a regulamentação nacional para construção de gasodutos visando diminuir algumas restrições desnecessárias; regulamentar o transporte de hidrogênio líquido no Brasil nos moldes da Europa ou dos Estados Unidos ou ainda regular esta atividade adaptada à realidade brasileira; propostas para incentivo aos sistemas de utilização do hidrogênio; incentivo, no curto prazo, por meio da Anatel da aplicação de células a combustível em sistemas de backup da rede de telecomunicações; incentivo a projetos de demonstração de sistemas de CaC do tipo PEMFC e SOFC. A possibilidade da utilização de uma pequena frota de ônibus a hidrogênio com parcela significativa da tecnologia embarcada desenvolvida no Brasil, durante a Copa do Mundo de 2014 e/ou Olimpíadas Rio 2016, promoverá grande visibilidade em âmbito nacional e internacional.
Agência Ambiente Energia – A que distância estamos, realmente, da economia do hidrogênio na área de energia?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – No cenário mundial, grande parte dos gargalos técnicos envolvendo tecnologias do hidrogênio já foram solucionados. Em muitos casos a aplicação mais ampla destas tecnologias depende apenas de redução de custos, sendo que já existem nichos de mercado economicamente viáveis para algumas aplicações. As necessidades de regulação e certificação estão sendo sanadas. Veículos a hidrogênio, tanto particulares quanto para transporte coletivo, ultrapassaram a etapa de testes e estão sendo colocados à venda sob condições especiais.
O Brasil está consideravelmente mais distante da economia do hidrogênio. Ainda necessitamos de grandes esforços em pesquisa e desenvolvimento, se desejamos nos tornar detentores desta tecnologia. O arcabouço regulatório ainda é muito pequeno e a indústria nacional necessita de incentivos para desenvolver esta tecnologia.
Agência Ambiente Energia – Como o Brasil tem se posicionado em relação a esta alternativa energética?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – O Brasil considera que o hidrogênio será parte da matriz energética nacional nas próximas décadas. Diferentemente dos EUA, o Brasil prioriza a aplicações do hidrogênio no transporte coletivo, geração distribuída de energia e utilização do hidrogênio em conjunto com fontes renováveis de energia, tais como o etanol, energia eólica e solar fotovoltaica.
Agência Ambiente Energia – E no mundo como esta questão está sendo considerada?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – A Economia do Hidrogênio destaca-se por possibilitar a obtenção deste energético através de insumos e processos variados. Neste ponto, pode-se destacar a existência de três blocos: EUA, Comunidade Europeia e Japão. Os EUA privilegiam a produção de hidrogênio em grandes centrais, utilizando gás natural, carvão e energia nuclear como insumos e aplicação em veículos particulares. A Comunidade Europeia visa a produção de hidrogênio com uma combinação de fontes renováveis e não renováveis com aplicação principal em transporte coletivo e geração distribuída de energia. O Japão visa a produção de hidrogênio com uma combinação de fontes renováveis e não renováveis com aplicação principal em veículos particulares e geração distribuída de energia.
Na década de 1990, o principal responsável pelo desenvolvimento das tecnologias do hidrogênio foram os EUA. Nos últimos anos a liderança no desenvolvimento dessas tecnologias migrou para a Ásia, principalmente devido a uma desaceleração dos investimentos realizados pelos EUA e aumento dos investimentos de Japão e Coreia. Embora tenham sido reduzidos, os investimentos feitos pelo governo americano ainda são muito altos (US$ 256 milhões em 2010). Além dos recursos públicos, aumentaram os investimentos das empresas do setor automotivo com destaque para Honda e Toyota.
Agência Ambiente Energia – Em termos de tecnologias, o que ainda é preciso para que o hidrogênio energético ganhe escala?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – Atualmente, os esforços tecnológicos vêm se concentrando na ampliação da vida útil das células a combustível e na redução de seus custos. Consideráveis avanços foram realizados nessas áreas com o cumprimento de diversas metas estabelecidas tanto pelo Departamento de Energia dos EUA quanto pelas próprias empresas. Nos últimos cinco anos, o custo das células a combustível foi reduzido de 15.000 US$/kW para 4000 US$/kW e a vida útil ampliada de 5.000 para 20.000 horas. A aplicação de células a combustível em alguns nichos de mercado como backup elétrico de alta confiabilidade (estações retransmissoras de telefonia) e veículos de carga para ambientes restritivos (empilhadeiras elétricas) já é economicamente viável em diversos países.
Agência Ambiente Energia – Do ponto de vista de regulação, o que é preciso ser feito?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – O estabelecimento de normas e regulamentação internacional está sendo conduzido nos ambientes ISO e IEC e encontra-se em estágio bastante avançado. No Brasil, a ABNT, em conjunto com indústrias e instituições de pesquisa, vem trabalhando na tradução e adaptação das normas internacionais em ritmo bem mais lento. É necessária a aceleração dos trabalhos do Brasil, assim como uma participação constante de representantes brasileiros nas reuniões.
Agência Ambiente Energia – Dá para projetar qual é o tamanho deste negócio em alguns anos?
Paulo Fabrício Palhavam Ferreira – Atualmente, o hidrogênio para aplicação como insumo químico já é um mercado de centenas de milhões de dólares no Brasil. O fato de o hidrogênio ser um denominador comum para várias tecnologias de produção de energia e a aplicação do hidrogênio no setor automotivo poderá abrir um mercado comparável ao do petróleo.
Fonte: Ambiente Energia