Desastre em Mariana foi acidente ou crime? ‘É precipitado avaliar’, diz ministro
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse em entrevista à BBC Brasil que é precipitado no momento fazer avaliações sobre qual a responsabilidade da mineradora Samarco no rompimento de duas de suas barragens na região central de Minas Gerais, acontecimento que provocou uma enxurrada devastadora de lama sobre o município de Mariana.
Questionado a respeito da avaliação do governo sobre o rompimento das barragens ser acidente ou crime ambiental, Braga disse que “agora qualquer informação é prematura com relação ao episódio, a não ser o fato de lamentarmos profundamente o episódio pela magnitude, (pela) forma como aconteceu”.
“Nós estamos analisando tudo com muita transparência e muita responsabilidade, porque nós sabemos que qualquer informação que se dá de forma precipitada pode se tornar uma verdade que não seja verdadeira”, ressaltou ainda.
Segundo Braga, o governo está trabalhando para apurar o que aconteceu: “Portanto, nós temos que ter muito zelo com a informação, mas nós não podemos deixar de perseguir o esclarecimento dos fatos. É isso que o governo está fazendo em todas as suas instâncias”.
Enquanto o governo adota cautela para tratar do assunto, o Ministério Público de Minas Gerais tem feito críticas à mineradora. Um dos promotores que investiga o caso, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, disse ao jornal Estado de Minas que houve “negligência” por parte da Samarco.
“Não há fatalidade nisso. Não podemos admitir que seja acidente um rompimento de um empreendimento de tamanha magnitude”, afirmou.
Ainda segundo o Estado de Minas, o Ministério Público analisa quatro hipóteses: “o cumprimento das condicionantes de licenciamento da Samarco; a explosão de uma mina da Vale próximo ao local; o possível abalo sísmico; e se as obras de alteamento (elevação) da barragem causaram o rompimento”. A expectativa é que o inquérito seja concluído em 30 dias.
Foram registrados quatro tremores de terra no município de Mariana antes do rompimento das barragens, de acordo com o Centro de Sismologia da USP. As magnitudes, porém, foram muito pequenas – entre 2 e 2,6 – e, segundo o próprio centro da USP, não seriam capazes, em teoria, de romper as estruturas.
Desde quinta-feira, quando as barragens se romperam, usuários do Facebook e do Twitter vêm usando as hashtags #NãoFoiAcidente e #FoiCrimeAmbiental para cobrar a responsabilização da Samarco e de suas donas – a Vale e a anglo-australiana BHP, duas dais maiores mineradoras do mundo.
Além do grande impacto humanitário e ambiental em Mariana – onde ao menos quatro pessoas morreram, 22 seguem desaparecidas e mais de 600 estão desalojadas – a avalanche de dejetos também está afetando outros municípios ao longo do Rio Doce, em Minas e Espírito Santo.
A Samarco não havia respondido o pedido da BBC Brasil para comentar as acusações até a publicação deste texto. A assessoria de imprensa da empresa disse que há muitos pedidos de informação e, por isso, poderia demorar para responder.
Em comunicado divulgado no Facebook na sexta-feira, a companhia afirmou que “não há confirmação das causas e a completa extensão do ocorrido” e que “investigações e estudos apontarão as reais causas”.
Segundo a Samarco, a última fiscalização das barragens pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) foi realizada em julho deste ano e indicou que elas estavam em “totais condições de segurança”.
“Eu avalio (o rompimento das barragens) como um acidente gravíssimo”, disse o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), relator do novo Código de Mineração que tramita na Câmara dos Deputados. “A empresa tem que arcar com todas as indenizações das famílias e recuperar o meio ambiente. Agora, a empresa estava operando dentro da legalidade. Crime ambiental só se comete quando está operando fora da legalidade.”
Impactos da mineração
A tragédia de Mariana chama atenção para os riscos e impactos da exploração de minério. Há três anos, está em debate no Congresso Nacional o novo Código de Mineração, que deve reciclar as regras do setor.
O projeto de lei foi enviado em junho de 2013 pelo governo federal em regime de urgência, mas a discussão acabou se arrastando até hoje.
Grupos que militam pelos direitos da população afetada pela mineração dizem que não estão tendo voz na discussão e afirmam que o texto em tramitação no Congresso não dá garantias de proteção socioambiental.
“A mineração é uma atividade muito danosa ao meio ambiente e à população. É o setor que mais mata, enlouquece e mutila no mundo. Não tem nada (no texto em discussão no Congresso) falando de legislação ambiental, trabalhista, casos de acidente”, afirma Jarbas Vieira, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração.
Questionado sobre essas críticas, o ministro de Minas e Energia disse que “o código de Mineração está em discussão no Congresso Nacional há três anos” e que “não há açodamento na sua aprovação, nem cerceamento de debate”.
Já Quintão disse que “foram feitas audiências públicas com todas as partes interessadas, desde o setor produtivo até o setor ambientalista”.
Doações de mineradoras
Os movimentos críticos ao setor, porém, dizem que as mineradoras têm maior poder de influência sobre os parlamentares devido às doações que fazem para suas campanhas.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase),vários deputados da Comissão Especial que analisa o código receberam doações de mineradoras, entre eles Quintão (PMDM-MG), e o presidente da comissão, Gabriel Guimarães (PT-MG).
A escolha do relator fere o Código de Ética e Decoro Parlamentar, cujo artigo quinto, inciso oitavo, prevê que “atentam contra o decoro parlamentar”, entre outra condutas, “relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
Em entrevista à BBC Brasil, Quintão disse que as doações que recebeu são legais e que o código de mineração não afeta uma empresa específica, mas várias. O deputado disse ainda que foi “inocentado” no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Câmara – onde o então presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB) arquivou uma representação contra ele em 2014.
Autor da representação, a ONG Instituto Socioambiental entrou também com um mandato de segurança no STF solicitando a retirada de Quintão da relatoria, sob o argumento de que, devido às doações a sua campanha, sua atuação como relator feria o princípio da igualdade política previsto na Constituição Federal.
O STF não chegou a julgar o mérito da ação, ou seja, não tomou qualquer decisão contrária ou favorável à Quintão, porque o ministro Luiz Fux decidiu arquivar o mandato de segurança sob a justificativa de que o instituto não tinha prerrogativa para mover a ação, já que a matéria em questão não lhes afetava diretamente.
O ministro Eduardo Braga defendeu a legitimidade dos deputados: “No processo democrático, esses deputados foram eleitos pelo voto direto como representante da população brasileira no Congresso Nacional. Do ponto de vista constitucional, portanto, eles estão aptos à representatividade da democracia brasileira”, ressaltou.
Royalties
Como argumento para sustentar que não estaria favorecendo as mineradoras, Quintão afirma que manteve no seu relatório a elevação da cobrança de royalties (um tipo de tributo) sobre a produção mineral proposta pelo governo. No caso do minério de ferro, a alíquota passaria do atual patamar de 2% para 4%.
Os royalties são vistos como uma importante fonte de compensação para reduzir impactos da atividade e permitir que as cidades afetadas invistam no desenvolvimento de outras atividades econômicas, reduzindo a dependência da mineração.
Os movimentos sociais consideram que a alíquota continua baixa, pois em outros importantes produtores, como Austrália e Índia, as taxas máximas são 7,5% e 10%, respectivamente.
Segundo Quintão, outros impostos que incidem no setor são mais altos do que os praticados em outros países e, por isso, não é possível cobrar royalties maiores.
“Nem todas as propostas serão incorporadas a qualquer projeto no processo democrático. Se eu for incorporar todas sugestões do setor produtivo, eu inviabilizaria o projeto. Se eu for incorporar também todas sugestões do setor ambientalista, eu iria inviabilizar a mineração no país”, argumentou.
Fonte: BBC Brasil