Conversão de energia renovável em gás pode viabilizar transição energética alemã
Um problema de fontes eólicas e solares é manter o fornecimento estável, independente do tempo. Armazenar energia em gás ou líquido é uma possível solução. Porém a legislação atual desestimula investimentos nessa técnica.
O governo da Alemanha pretende aumentar o percentual de energias renováveis em sua matriz energética, e definiu metas concretas para esse fim. Até 2050, no mínimo 80% de sua produção e 60% da demanda deverão ser de origem solar, eólica ou de outras fontes renováveis. Contudo continua em aberto a questão de como garantir um abastecimento estável e suficiente durante os períodos em que não há sol ou vento.
Na visão de alguns pesquisadores e engenheiros, a resposta poderia ser os assim chamados sistemas power-to-gas e power-to-liquid, que transformam energia, respectivamente, em gás e líquido. Essa tecnologia seria decisiva para uma bem sucedida transição na política energética, acredita Michael Sterner, professor da Escola Técnica de Regensburg.
“O sistema power-to-gas é absolutamente necessário para um abastecimento elétrico 100% proveniente de energias renováveis, assim como para a redução da emissão de dióxido de carbono no setor de transportes e na indústria química”, explica Sterner.
Em princípio, o procedimento é simples. A Alemanha já possui uma ampla rede de gasodutos e depósitos de gás. O gás natural é um combustível fóssil, utilizado, por exemplo, no aquecimento residencial para a produção de energia em turbinas a gás. Seu principal componente, o metano, é também utilizado como matéria-prima na indústria petroquímica, em produtos que vão do plástico a medicamentos.
Os engenheiros propõem que os depósitos de gás e a rede de gasodutos a que estão conectados sejam utilizados para resolver o problema de armazenamento de eletricidade na Alemanha. Por esses dutos, também poderia fluir metano sintético, produzido a partir de dióxido de carbono (CO2), água e eletricidade. Quando essa eletricidade é de origem renovável, designa-se o metano artificial, assim criado, “gás renovável” – ou mesmo “gás eólico” ou “gás solar”, de acordo com o método de produção.
Diesel, gasolina e querosene de gás renovável
A partir do gás sintético, pode-se também produzir outros combustíveis líquidos artificiais, como metanol e butanol – utilizáveis em motores a diesel e a gasolina – ou querosene – principal componente do combustível de aviação. O resultado é então denominado power-to-liquid, ou “combustível líquido renovável”.
Embora sendo, em princípio, um método simples, há uma aparente dificuldade em desenvolver um modelo de negócios atraente a partir dele. Pois é relativamente barato extrair gás natural da terra e levá-lo até outros lugares, por meio de gasodutos. Em comparação, o metano sintético é muito mais custoso e nunca poderá competir em termos de preço com o gás natural, admite Peter Röttgen, diretor do Centro de Inovação de Armazenamento de Energia da E-On, a maior empresa de energia alemã. Pelo menos não enquanto o preço do carvão for tão baixo.
Entretanto, isso não quer dizer que o sistema power-to-gas deva ser visto como de custo inacessível: afinal de contas, o gás fóssil nocivo ao meio ambiente não é o mesmo que o gás renovável. Ove Petersen, chefe da empresa GP Joule, que se engaja pela eletricidade de fontes renováveis, afirma que a atual situação poderia mudar com a ajuda de subsídios.
“Os que usam fontes produtoras de grandes emissões de CO2 – por exemplo, os operadores de usinas elétricas a carvão – são os que recebem os grandes subsídios. Durante muitos anos, nós permitimos que eles usassem a atmosfera terrestre como depósito de lixo para os seus produtos de combustão nocivos ao clima”, acusa Petersen.
Armazenamento para energia eólica
Alguns projetos já testam o potencial da nova tecnologia. A montadora Audi inaugurou no final de 2013 uma central power-to-gas com produção de seis megawatts em Werlte, no norte da Alemanha. A E-On opera uma outra unidade-piloto próximo a Berlim, juntamente com a Swissgas. Segundo Peter Röttgen, agora seriam necessários novos mecanismos de mercado para que esses protótipos se transformem em usinas de verdade.
O executivo da E-On aponta os efeitos colaterais indesejados do boom de energia eólica. “Existem tantos moinhos eólicos que, em dias de tempestade, muitos deles são desligados para evitar uma sobrecarga da rede elétrica. No entanto, a lei de remuneração do fornecimento energético prevê que os proprietários de aerogeradores recebam pagamentos generosos, mesmo que suas turbinas sejam desligadas.”
A construção de instalações power-to-gas nas vizinhanças de parques eólicos seria uma alternativa economicamente inteligente para o grande volume de energia produzido em dias tempestuosos, afirma Röttgen. Na legislação atual, porém, não há estímulo financeiro para que as empresas invistam no sistema, já que os proprietários de aerogeradores recebem seu dinheiro de qualquer maneira.” Isso deveria mudar”, insiste o especialista.
“Nós devemos reestruturar os mercados, de modo que comprar energia solar e eólica em grande quantidade para armazená-las como gás sintético, passe a ser um modelo de negócios atraente.” E o governo federal alemão não deveria cobrar taxas e impostos para o gás renovável, pelo menos até que a tecnologia power-to-gas esteja plenamente desenvolvida – e isso ainda vai demorar anos para acontecer – conclui Röttgen.