Brasil prepara adoção de redes elétricas inteligentes
Desperdício de energia
Quinze de cada 100 quilowatts da energia elétrica produzida no Brasil se perdem entre a geração e o consumo.
De acordo com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a proporção é mais do que o dobro da registrada em outros países, que chega aos até 7%.
O desperdício sozinho fica acima da oferta interna de energia de origem térmica, com base em carvão, gás, petróleo e energia nuclear, que somam 14,4%, segundo o Balanço Energético Nacional.
A perda de energia levou o CGEE a fazer um amplo estudo sobre o uso de redes inteligentes (ou smart grids, como são mais conhecidas em inglês) para gerenciamento da geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica.
A tecnologia pode informar em tempo real, por exemplo, a ocorrência de pane e a eventual suspensão do fornecimento.
“Quando cai a energia, qualquer que seja o motivo, você liga para a concessionária. Pelo smart grid, isso passa a ser automático, não precisa ligar”, explica Ceres Cavalcanti, pesquisadora do CGEE.
Vantagens das redes inteligentes de energia
Além das concessionárias, o uso de redes inteligentes permite que os usuários façam o controle do consumo diretamente.
No futuro, quando houver tarifa diferenciada conforme o horário, os medidores domésticos informarão quanto está sendo gasto a cada momento e o valor das tarifas cobradas.
De um lado, afirma-se que isto dará a possibilidade de o consumidor utilizar os eletrodomésticos em horário de tarifas mais baratas. De outro, porém, alguns especialistas afirmam que este é um benefício que só vale para o setor industrial, mas não para os consumidores domésticos, que não têm como controlar seus aparelhos ou mudar seus horários de uso.
Uma possibilidade menos controversa é tornar o consumidor credor do sistema.
Por exemplo, quem captar energia solar em casa, por exemplo, poderá ter desconto nas tarifas, pois a rede inteligente identifica a geração doméstica de energia.
“Hoje, a informação do sistema elétrico é direcional. Com o smart grid, passa a ser bidirecional. O consumidor passivo passa a ser ativo e vai ter vários tipos de serviços,” diz Ceres.
Eletrodomésticos e carros elétricos
Para a pesquisadora do CGEE, a adoção das redes inteligentes vai gerar negócios para a indústria de componentes do sistema elétrico e também para a área de tecnologia da informação e comunicação.
“Vai gerar um mercado muito bom para a indústria. E isso tem vários desdobramentos no sentido de desenvolvimento de ciência e tecnologia. Tem uma série de linhas de pesquisa que podem vir a partir daí,” destaca.
Uma das possibilidades ficou demonstrada recentemente por uma pesquisa realizada na Unicamp, que demonstrou que as geladeiras domésticas, um dos principais itens de consumo doméstico, poderiam ser gerenciadas, isto é, ligadas e desligadas em determinados horários, sem prejuízos de sua função principal.
Outro item com presença obrigatório na pauta de discussões sobre o fornecimento de eletricidade no futuro são os veículos elétricos.
Uma pesquisa na Alemanha mostrou que os carros elétricos, em vez de simplesmente representarem mais uma categoria de consumidor, podem na verdade viabilizar a adoção de fontes de energia limpa.
Outro estudo, este realizado nos Estados Unidos, mostrou que os carros elétricos usados em meio urbano, a exemplo do que já acontece com seus antecessores a gasolina, ficarão a maior parte do tempo estacionados.
Isso significa, segundo o Dr. Willett Kempton, que os carros elétricos poderão fornecer eletricidade para a rede de distribuição.
As possibilidades são tantas que muitos especialistas na área não hesitam em falar de uma “Internet da energia”, capaz de descentralizar a geração e a transmissão de eletricidade.
O outro lado da moeda
Os especialistas brasileiros já visitaram a Alemanha e a Inglaterra, onde estabeleceram parcerias com as entidades distribuidoras de energia desses países, já bastante adiantados em direção às redes inteligentes de distribuição de energia.
Talvez por isso, é justamente de lá que veem as primeiras preocupações com a adoção de novas tecnologias na área.
Embora os “gatos” apareçam sempre taxados como ações criminosas, o professor Steve Thomas, da Universidade de Greenwich, aponta que as novas tecnologias na área na verdade representam uma “ameaça à saúde e ao bem-estar das pessoas que vivem em áreas residenciais mais pobres e mais vulneráveis”.
Ele aponta sobretudo para o “outro lado da moeda” dos medidores inteligentes, que estão sempre conectados com a concessionária.
O problema, segundo o pesquisador, é que a troca de dados é de mão dupla, o que permite, por exemplo, que a concessionária altere o preço da energia conforme a a demanda, o que pode nada ter a ver com o consumo diário de uma casa.
Segundo ele, os aventados benefícios dos medidores inteligentes – leituras mais precisas, estimativa dos gastos em energia do mês e monitoramento do próprio consumo – poderiam ser alcançados por meio mais simples e mais baratos.
Para ele, enquanto na indústria o conceito é bem-vindo, já que as empresas podem mudar o turno de operações se a energia encarecer em determinados horários, para as residências isso significará uma “destruição de consumo”.
Isso, segundo Thomas, porque as famílias não podem mudar o horário do banho ou o aquecimento para o meio do dia, simplesmente para terem descontos, e, ao contrário da indústria, não possuem um funcionário monitorando continuamente o preço da energia para poderem tirar vantagens disso.
Redes inteligentes no Brasil
O trabalho que está sendo produzido pelo CGEE, será a primeira etapa da proposta do grupo de especialistas e compõe uma das metas da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O Brasil já conta com alguns estudos relativos ao tema Smart Grid em andamento. Entre eles, o da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), em conjunto com a Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (Apel), ambos coordenados pela Aneel.
Esta iniciativa propõe um plano nacional para a migração tecnológica do setor elétrico brasileiro, da atual posição, para a adoção plena do conceito de Rede Inteligente.
O estudo, que conta com a participação de mais de 63 concessionárias brasileiras, deve ser concluído no final do ano.
Algumas concessionárias públicas de energia, como a Cemig, a Light e a Eletrobras, também fazem pesquisas e projetos na área.
O projeto Smart City (Armação de Búzios – RJ) é uma iniciativa nacional das empresas Emdesa/Ampla, parecida com o projeto desenvolvido em Magália, região da Espanha.
A versão fluminense receberá R$ 30 milhões nos próximos dois anos para instalar iluminação pública abastecida por painéis solares e miniaerogeradores, medidores inteligentes e carros elétricos.
A Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL Energia) investirá R$ 215 milhões em três anos para implantar tecnologias que incluem sistemas de telemedição (que atingirão 25 mil clientes até 2013), maior mobilidade ao enviar informações para eletricistas por meio de palmtops e instalação de chaves e equipamentos que flexibilizem e agilizem os centros de operação do sistema, caso haja problemas nas redes (já são mais de 2.000 chaves instaladas e, até 2013, serão pelo menos 5.000 pontos telecomandados).
“A oportunidade no mercado de trabalho é imensa e as empresas de energia estão de olho nela. A demanda é grande e tende a aumentar,” conclui Ceres.
Fonte: Inovação Tecnológica