Aceleradores de Partículas: Da Exploração Subatômica às Soluções para a Humanidade
Já se perguntou como o universo funciona em seu nível mais fundamental? O que compõe a matéria ao nosso redor e de onde vêm as forças que mantêm tudo em equilíbrio? Os aceleradores de partículas são máquinas que nos ajudam a desvendar essas grandes questões.
Apesar do nome parecer complexo, essas ferramentas são essenciais para a ciência moderna, com um impacto que vai muito além da física teórica. Desde a busca por novas partículas até aplicações médicas que salvam vidas, os aceleradores desempenham um papel crucial no avanço da tecnologia e do conhecimento humano. Mas afinal, o que são, como funcionam, e por que deveríamos nos importar com eles?
O que são?
A função de um acelerador de partículas é justamente o que o nome sugere: acelerar partículas para atingir um determinado objetivo — o que muda de acordo com o tipo de acelerador é o que acontece em seguida. E que partículas são essas? Desde as mais básicas, como elétrons, prótons e nêutrons, até compostas, como as partículas alfa formadas por dois prótons e dois nêutrons.
Um acelerador de partículas, de forma simplificada, é uma máquina que acelera partículas subatômicas (como prótons, elétrons ou íons) a velocidades extremamente altas, algumas vezes próximas à velocidade da luz. Embora possa soar como algo saído de um filme de ficção científica, essas máquinas existem há quase um século e desempenham um papel crucial na revelação de alguns dos mistérios mais profundos do universo.
O princípio básico do seu funcionamento é relativamente simples: partículas carregadas são aceleradas por meio de campos elétricos e direcionadas por campos magnéticos. Conforme aumentam sua velocidade, elas ganham energia e, ao colidirem, liberam uma enorme quantidade de informações sobre as forças fundamentais que regem a natureza. É como se estivéssemos usando uma lente de aumento para explorar o universo em sua escala microscópica, permitindo-nos observar o que é invisível a olho nu.
Nos aceleradores lineares, as partículas viajam em linha reta, ganhando velocidade conforme passam por campos elétricos alternados. Já nos aceleradores circulares, como o famoso Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN, as partículas percorrem um túnel circular, o que permite colisões de alta energia ao direcionar feixes de partículas para se chocarem em velocidades quase inimagináveis.
A física por trás do Acelerador de Partículas
Os aceleradores de partículas operam com base em conceitos fundamentais da física, especialmente o eletromagnetismo e a mecânica relativística. A ideia principal é que partículas subatômicas carregadas, como prótons ou elétrons, podem ser aceleradas a altas velocidades usando campos elétricos e controladas por campos magnéticos. Vamos explorar esses conceitos:
- Campos Elétricos e Aceleração: O movimento de partículas carregadas, como prótons, é governado pelas forças elétricas. Nos aceleradores, são usados campos elétricos alternados para “empurrar” as partículas, transferindo energia cinética e aumentando suas velocidades. Cada vez que a partícula passa por uma seção do acelerador, ela recebe um impulso de energia, de maneira semelhante a como empurrar uma criança em um balanço no momento certo aumenta a altura do balanço.
- Campos Magnéticos e Trajetória: Além da aceleração, as partículas precisam ser mantidas em uma trajetória controlada, especialmente nos aceleradores circulares, como o LHC. Aqui, entram em cena os campos magnéticos. Os ímãs supercondutores geram campos magnéticos intensos que curvam a trajetória das partículas em direção ao centro do acelerador, mantendo-as em uma órbita circular. Isso é explicado pela força de Lorentz, que atua sobre as partículas carregadas que se movem em um campo magnético, desviando seu caminho.
- Relatividade de Einstein: À medida que as partículas são aceleradas a velocidades próximas à da luz, os efeitos da teoria da relatividade especial de Einstein se tornam relevantes. Uma das consequências é que, quanto mais rápida a partícula se move, mais difícil se torna aumentar ainda mais sua velocidade. A energia que o acelerador continua a fornecer não aumenta mais a velocidade, mas sim a energia relativística da partícula. Isso permite que ela libere enormes quantidades de energia durante uma colisão.
- Colisões e Produção de Partículas: Quando duas partículas aceleradas colidem em altíssimas velocidades, a energia dessas colisões é convertida em novas partículas, de acordo com a famosa equação de Einstein, E = mc². Essa equação descreve como a energia de uma colisão pode ser transformada em massa, criando novas partículas. Essas colisões são o ponto crucial para o estudo da física de partículas, pois permitem que os cientistas observem partículas fundamentais que normalmente não são acessíveis.
- Detectores e Análise: Após a colisão, os detectores no acelerador capturam os fragmentos resultantes e a energia liberada. Esses detectores funcionam como câmeras superavançadas, capazes de registrar trilhas e sinais que indicam a presença e a natureza das partículas geradas. A análise dos dados permite aos cientistas estudar fenômenos como a existência de novas partículas (como o bóson de Higgs) ou interações entre as forças fundamentais do universo.
A energia cinética das partículas que se movem dentro dos aceleradores é medida em uma unidade chamada elétron-volt (eV), que corresponde à energia adquirida por um elétron ao ser submetido a um potencial elétrico de 1 V. Em colisões de alta energia, como as realizadas no LHC, é possível alcançar energias próximas de 7 TeV (7 trilhões de eV). Para isso, prótons e elétrons precisam ser acelerados a mais de 99% da velocidade da luz.
Um dos principais usos dos grandes aceleradores é “visualizar” partículas subatômicas extremamente energéticas, como quarks e bósons de Higgs, que só podem ser observadas por breves instantes durante colisões entre partículas a velocidades quase luminosas. Essas colisões ajudam os cientistas a estudar as características do universo em seus primeiros momentos após o Big Bang, muito antes da formação das estrelas e galáxias.
Os tipos de aceleradores de partículas
Existem muitos tipos de aceleradores e alguns deles estão presentes no nosso dia-a-dia. Apesar da ideia parecer estranha, equipamentos como de radioterapia do câncer, de radiografia de alta potência, e até mesmo nos tubos de raios catódicos dos antigos televisores são exemplos de aceleradores. Independentemente do tipo de tecnologia, o princípio é o mesmo: o acelerador concentra energia em um pequeno ponto, onde há um feixe de partículas subatômicas, para que elas viagem por um determinado trajeto, a uma determinada velocidade, sempre com posições muito precisas.
Existem vários tipos de aceleradores de partículas, classificados em duas categorias principais: aceleradores lineares e circulares:
- Aceleradores Lineares (linacs): Usam campos elétricos estáticos ou oscilantes para acelerar partículas em uma linha reta.
- Aceleradores Circulares: Incluem ciclotrons e síncrotrons, que usam campos magnéticos para manter as partículas em trajetórias circulares enquanto são aceleradas.
- Anéis de Armazenamento: Armazenam partículas aceleradas para permitir múltiplas interações ou colisões.
- Colisores: Colidem tipos específicos de partículas para estudar suas interações.
Alguns dos mais simples são o gerador de Van der Graaf (famoso por seu curioso efeito de fazer arrepiar os cabelos de quem tocar na cúpula, nas versões de demonstração) e o tubo de raios catódicos — ambos lineares e eletrostáticos.
Como já dito antes, Os aceleradores lineares fazem com que as cargas elétricas ganhem velocidade ao longo de uma trajetória retilínea, e os eletrostáticos lidam com campos elétricos constantes. Também existem os aceleradores cíclicos, feitos para que as partículas façam uma trajetória curva. Nesse caso, as partículas passam por um campo magnético que as desvia com o objetivo de controlar as direções, e é assim que elas conseguem dar uma volta nos tubos circulares dos grandes aceleradores científicos. Os tipos de aceleradores cíclicos mais utilizados são o cíclotron e o síncrotron.
Mas nem todo acelerador tem o objetivo de fazer uma partícula colidir com outra. Nesse sentido, os aceleradores científicos podem ser divididos entre os colisores e os que produzem linhas de luz.
Por exemplo, nas luzes síncrotron, o objetivo não é usar as partículas em si, mas sim a radiação emitida pelas partículas aceleradas e desviadas no interior dos aceleradores. As partículas carregadas viajam em altas velocidades e depois passam por regiões de intenso campo magnético que as fazem mudar de rumo. Isso gera aceleração e faz com que a luz síncrotron seja emitida. Essa luz tem várias utilidades possíveis, porque com ela os cientistas podem trabalhar com a emissão de luz ultravioleta, raios-X, por exemplo. No caso da primeira, a luz pode ajudar na técnica de espectroscopia de fluorescência, enquanto no segundo caso os cientistas podem aprimorar técnicas experimentais de cristalografia, que permite identificar a estrutura cristalina de diferentes materiais. Já no infravermelho, a luz pode ajudar na pesquisa de espectroscopia de absorção.
Também existem aceleradores que colidem com outros tipos de materiais, como o de Van de Graaff. Ele produz feixes de íons (átomos de hidrogênio, hélio, oxigênio ou carbono carregados eletricamente) a altas velocidades para depois colidirem contra os mais diferentes materiais. Em alguns casos, a desaceleração dos elétrons em um alvo metálico produz feixes de raios-X, muito úteis para formar imagens usadas em consultórios médicos.
No Brasil
O Sirius é a mais complexa infraestrutura cientifica do país e possui mais de um acelerador, além de diferentes linhas de luz que levam o nome da fauna e da flora brasileiras — tais como Ema, Ipê, Jatobá e Quati — que já estão em processo de instalação. Batizado com o nome da estrela mais brilhante do céu noturno, o acelerador de partículas de 68 mil metros quadrados inaugurado em 2018 é a maior e mais complexa infraestrutura de pesquisa já construída no Brasil. Orçado em R$ 1,8 bilhão, ele promete viabilizar estudos nacionais de qualidade sem precedentes no mundo.
Ele é diferente, por exemplo, do Grande Colisor de Hádrons (LHC), na Suíça. Neste, as partículas são aceleradas à máxima potência a fim de criar colisões para se investigar o núcleo dos átomos, gerando condições análogas às que teriam criado o Universo, no Big Bang. Já o Sirius acelera elétrons próximo à velocidade da luz, numa via na qual todos caminham numa mesma direção sem um trombar no outro, e até uma energia fixa de 3 giga elétron-volt (GeV). O LHC, por sua vez, pode dar energia máxima de 7 mil GeV.
O objetivo é criar um total de 38 linhas de pesquisa nos túneis para onde a luz síncrotron é canalizada e nos quais podem ser realizados diversos experimentos. Para ter ideia, um dos túneis chega a 145 metros de comprimento, espaço fechado a vácuo onde ficam diversos equipamentos extremamente sensíveis que captam a luz que difrata das amostras e controla energia e intensidade.
Como é possível mais de uma estação de pesquisa em algumas das linhas, haverá um total de 40 estações. Cada linha passa por um comissionamento técnico e um comissionamento científico. No primeiro caso, os equipamentos são testados sem experimentos; no segundo, pesquisadores que têm experiência com a extração de dados do acelerador são chamados a testar seus estudos.
Outras aplicações na sociedade
Durante a pandemia de Covid-19, o comissionamento técnico da linha Manacá, uma das linhas de luz do SIRIUS dedicada à biologia molecular, foi acelerado. Em março de 2020, o comissionamento científico começou, com pesquisas focadas na cristalografia de proteínas do Sars-CoV-2, com o objetivo de desenvolver medicamentos contra o coronavírus. Essas pesquisas foram realizadas em colaboração entre cientistas do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do CNPEM, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em julho, os pesquisadores do LNBio conseguiram desvendar duas estruturas tridimensionais inéditas da proteína 3CL, que é crucial para a replicação do vírus nas células humanas. Simultaneamente, o grupo da UFSCar analisou as estruturas cristalinas das proteínas virais para identificar substâncias que poderiam se ligar a elas e bloquear a infecção pelo Sars-CoV-2.
Além do foco nas pesquisas sobre Covid-19, o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), também do CNPEM, utilizou a linha Manacá para estudar enzimas provenientes da biomassa de cana-de-açúcar, buscando novas formas de aproveitar a energia renovável. Das 38 linhas disponíveis no SIRIUS, sete são dedicadas exclusivamente ao estudo da biologia molecular, permitindo pesquisas que vão desde células humanas e rochas de poços de petróleo até novas tecnologias de energia renovável, máquinas industriais e receptores de radiação cósmica.
As aplicações dos aceleradores de partículas vão muito além da pesquisa em física. Na medicina, por exemplo, eles são utilizados na terapia de prótons, um tratamento para câncer que direciona feixes de partículas aceleradas com alta precisão, minimizando os danos aos tecidos saudáveis. Eles também são essenciais em diagnósticos médicos, como nas imagens por raios X de alta intensidade, que proporcionam visualizações detalhadas de tecidos biológicos.
Na indústria, os aceleradores desempenham um papel crucial na produção de semicondutores e na modificação de materiais por meio de irradiação, impulsionando inovações tecnológicas que impactam nosso cotidiano. Além disso, na arqueologia e na conservação do patrimônio cultural, os aceleradores permitem a análise de obras de arte e objetos antigos sem causar danos, revelando sua composição e origem. Dessa forma, os aceleradores de partículas são instrumentos versáteis que ajudam a enfrentar desafios contemporâneos em várias áreas da sociedade.
O que concluímos?
Os aceleradores de partículas são ferramentas essenciais em diversas áreas, como medicina, pesquisa científica e conservação cultural. Eles têm contribuído significativamente para inovações, desde tratamentos para câncer até a análise de estruturas biológicas do coronavírus. Sua versatilidade na indústria e na preservação do patrimônio cultural demonstra seu impacto contínuo na tecnologia e na sociedade. À medida que avançamos, fica claro que esses dispositivos desempenharão um papel crucial em enfrentar os desafios futuros e expandir nosso conhecimento sobre o universo.