Fez-se fogo-de-artifício no maior acelerador de partículas do mundo

Aplausos, sorrisos rasgados, copos de champanhe. Os cientistas que na última terça-feira (30) no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), em Genebra, não cabiam em si de contentamento. Onze anos após o início da sua construção, o maior acelerador de partículas do mundo fez as primeiras colisões a energias jamais alcançadas pelo homem. A partir de agora, pode começar a recriar como nunca antes as condições do Universo após o Big Bang, para desvendar de que é feita a matéria ao mais ínfimo pormenor.

Às 12h06 de Lisboa, as partículas postas a circular ao início da manhã no Large Hadron Collider (LHC), como se chama o acelerador, puderam finalmente colidir a energias elevadas. “Fizemos três tentativas. Agora estamos em colisão”, anunciava Steve Myers, director de aceleradores e tecnologia do CERN. “Estamos todos muito emocionados e felizes.” Para perceber o que isto significa, façamos uma viagem à fronteira franco-suíça e desçamos a 100 metros de profundidade: é aí que se encontra instalado o LHC, num túnel circular de 27 quilómetros de comprimento.

Ao longo do túnel, vão acelerar-se dois feixes de partículas (protões), que viajam quase à velocidade da luz e que, pelo caminho, 1200 ímanes forçam a manter na trajectória pretendida. Estes feixes viajam em sentido contrário, pelo que dão voltas e mais voltas entre a fronteira. Em certos locais, vão colidir e espera-se que, nos estilhaços desses embates, se encontrem novas partículas que permitam aprofundar os conhecimentos sobre a matéria. Para apanhar os produtos das colisões, pelo túnel há quatro grandes detectores de partículas, com os nomes Atlas, CMS, ALICE e LHCb.

O acelerador foi inaugurado em Setembro de 2008 com festa: afinal, esta máquina única estava em construção há nove anos e em preparação há quase duas décadas. Era um grande momento na história de mais de 50 anos do CERN, recheada de muitas descobertas, e onde, além dos 2500 cientistas que ali trabalham, 6500 usam as suas instalações. Porém, poucos dias depois houve uma avaria elétrica e a entrada em funcionamento foi sendo adiada por sucessivos problemas – até que, a 20 de Novembro, foram injetadas as primeiras partículas. Nesse mês, deram-se as primeiras colisões.

A energia das colisões foi sendo aumentada, o acelerador foi sendo calibrado e a 19 de Março atingiu-se um recorde de energia: sete teraelectrões-volt (TeV, ou sete biliões de eletrões-volt), com cada feixe de protões a ter 3,5 TeV. Esta energia é metade da potencialidade final da máquina.

E ontem chegou um grande momento: pôr em colisão os dois feixes de protões a sete TeV no total, para que o maior acelerador do planeta possa entrar numa nova fase, começando por fim a fazer física e deixando para trás os percalços e calibrações.

A missão não se adivinhava fácil: “Só o próprio alinhamento dos feixes é um desafio: é como disparar agulhas através do Atlântico e fazê-las colidir a meio do caminho”, dizia, antes, Steve Myers. E quando por fim tudo aconteceu, exclamou: “Estou sem fala.”

A energia atingida foi 3,5 vezes mais alta da alguma vez alcançada num acelerador de partículas. “Estas primeiras colisões a sete TeV marcam o ponto de chegada e de partida. É o fim de 20 anos para construir um acelerador com uma complexidade e tamanho sem precedentes. E é o início de uma era fantástica de exploração da física. Vamos avançar na compreensão do muito pequeno e do muito grande do Universo”, disse Fabiola Gianotti, porta-voz para o detector Atlas.

Assim que os feixes colidiram, na terceira tentativa, Gianotti conta que nos computadores viu-se logo a interação entre as partículas: “Vimos um fogo-de-artifício no detector, algo completamente diferente até agora. É fantástico o momento que vivemos”.

Até Dezembro de 2011, o LHC irá manter-se em funcionamento a metade da sua potencialidade, depois fará uma paragem de rotina por 13 meses para ser preparado para passar dos sete para os 14 TeV, explica Gaspar Barreira, do LIP – Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, em Portugal, e que participa nas experiências de dois dos quatro detectores.

Grandes questões

Mas as energias obtidas já permitem recriar as condições do Universo nos primeiros milionésimos de segundo após o Big Bang, há 13.700 milhões de anos. A diferença está no número de “acontecimentos” interessantes, como os físicos chamam ao que resulta das colisões. “O número de acontecimentos é metade. Como os físicos se interessam por acontecimentos raros, é preciso o dobro do tempo para a mesma quantidade de dados.”

O que procuram são respostas para grandes questões: de que é feita a matéria? O que é a matéria escura, que constituiu grande parte do Universo mas se mantém teimosamente invisível? O bosão de Higgs, partícula que explicaria por que algumas têm massa e outras não, existe mesmo?

A onda de entusiasmo pôde ser acompanhada na Internet e em videoconferência. Apareceram director-geral do CERN, Rolf Heuer, e o director científico, Sergio Bertolucci, que estavam no Japão e comemoravam de forma peculiar: “Estamos a celebrar com uma garrafa de vinho tinto de 1991, o ano de aprovação do LHC, e batatas fritas, porque aqui é hora de jantar.”

Fonte:Público