Belo Monte: enfim, chegou o “Dia D”

Por Excelência Energética

A terceira maior hidrelétrica do mundo, elegida pelo governo federal como a obra mais significativa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), começa a sair do papel nesta terça-feira, dia 20 de abril de 2010. Não foram poucos, e nem deverão acabar ao fim desse dia, os entraves de âmago ambiental, jurídico e político, em situação não muito diferente das experiências das licitações das hidrelétricas do Rio Madeira, UHE Santo Antônio em 2007 e UHE Jirau em 2008.

Cada um desses megaprojetos quebrou um paradigma e deixou uma lição. A primogênita UHE Santo Antônio abriu caminho e mostrou que, enfim, as estabilidades econômica e regulatória permitiam a construção e o financiamento de projetos dessa magnitude de investimento e risco, enquanto que a UHE Jirau nos ensinou, plagiando a origem das metáforas de nosso presidente da República, de que “ninguém ganha jogo na véspera” e de que, mais importante que a criatividade dos produtos financeiros é a criatividade e esforços de engenharia. Já a UHE Belo Monte, ao ter seu projeto refeito para redução do reservatório inicialmente previsto em 18.000 km² para 440 km², poderá representar que é possível encontrar soluções que permitam o crescimento sustentável, mesmo localizada na Amazônia brasileira, região mundialmente ligada a questões de meio ambiente e palco de negociações sensíveis.

Os números da usina de fato impressionam. Com 11.233 MW de potência e garantia física de 4.571 MW médios (fator de capacidade 41%), o megaprojeto está orçado em R$ 19 bilhões pela Empresa de Pesquisa Energética. Comparando-o com os outros dois empreendimentos, conforme demonstra tabela abaixo, a razão de investimento pela garantia física de Belo Monte é comparável à da UHE Santo Antônio:

Com relação ao mecanismo do leilão, será declarado vencedor o consórcio que apresentar o menor preço para a comercialização da eletricidade no Ambiente de Contratação Regulada – ACR, sendo que o preço-teto estabelecido para a UHE Belo Monte é de R$ 83,0 / MWh, inferior aos preços-tetos dos projetos do Madeira: R$ 122 e 91 / MWh para Santo Antônio e Jirau, respectivamente. Entretanto, esses valores não significam preços que viabilizem os projetos, pois como há permissão de comercialização de parte dessa energia no mercado livre, e esse mercado paga valores superiores aos praticados no leilão, há subsídio do ACL ao ACR de forma a viabilizar esses empreendimentos.

A diferença com relação a Belo Monte é de que, sem a participação de autoprodutores no consórcio, o percentual mínimo de energia que deverá ser destinado ao ACR é de 90%, ou seja, há redução na margem de subsídio do ACL ao ACR.

Posto isso, como exercício, comparamos a razão entre investimento e receita bruta dos três projetos, simulando preço de comercialização no ACL a R$ 120,0 / MWh. Os dados apresentados na tabela abaixo mostram que Belo Monte parte1 de razão mais alta que a média do rio Madeira2, sendo inclusive superior à razão resultante do preço vencedor da UHE Santo Antônio.

Mais uma vez, o preço-teto estipulado é quase uma tentativa de acertar o preço de viabilidade do empreendimento (incluindo subsídio do ACL), contrariando a própria prática de realização de leilões, cuja teoria prova que, quanto maior o preço-teto do leilão descendente, mais competidores participam, e, quanto maior a competitividade, maior o deságio. Preços-tetos baixos desestimulam novos entrantes, reduzem a competição e, consequentemente, a eficiência econômica do mecanismo de leilão.

O mercado deu sua resposta. Ao invés de assistirmos a disputa prévia entre Odebrecht e Camargo Corrêa, como nos leilões do Madeira, esses dois importantes empreiteiros decidiram não participar do certame. Com isso, até a última quarta-feira (data inicial para depósito das garantias, prorrogada para sexta) não havia dois consórcios, e, em conjunto com a Eletrobrás, o governo teve que agir rápido para apresentar um competidor ao projeto e assim caracterizar propriamente um leilão.

Dessa forma, temos os seguintes consórcios aptos a darem lance. O primeiro, denominado de “Norte Energia”, é constituído por nove empresas: CHESF, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Mendes Junior Trading, Serveng-Civilsan, J. Malucelli Construtora, Contern Construções e Comércio, Cetenco Engenharia e Gaia Energia e Participações. O segundo foi designado “Consórcio Belo Monte Energia”, composto pelas seguintes empresas: Andrade Gutierrez, Vale, Neoenergia, Companhia Brasileira de Alumínio, Furnas e Eletrosul. De acordo com as regras da licitação, o consórcio que conta com a participação de autoprodutores tem vantagem competitiva, pois sua obrigação de comercialização no ACR é de 70%, versus 90% de quem não conta com esse tipo de investidor.

Verifica-se também, mesmo com a não participação das duas empreiteiras citadas anteriormente, forte presença das construtoras, cenário já comum nos leilões de transmissão, que trabalham com RAPs bem apertadas.

Ainda como consequência do estabelecimento de preço-teto muito baixo, buscou-se formas de compensação, e, mais uma vez, coube ao BNDES esse papel. Com prazo total de financiamento de 30 anos, participação no limite permitido pelo Conselho Monetário Nacional e custos reduzidos, tenta-se atrair os investidores e promover a competição. Complementando o apoio, o Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) concedeu desconto de 75% do Imposto de Renda para o projeto.

Cabe aqui ressaltar ainda que os preços de comercialização desses projetos não são comparáveis diretamente aos de outros empreendimentos que já se localizavam interligados ao sistema elétrico nacional, pois há custos expressivos para sua interligação. No caso dos projetos Jirau e Santo Antonio, o custo do sistema de transmissão para trazer a eletricidade até o subsistema SE-CO está orçado em aproximadamente R$ 6,5 bilhões, valor esse que será adicionado à tarifa do consumidor e que não está totalmente representado no lance vencedor dos projetos.

As cartas estão na mesa, e o leilão deverá ser rápido e de pequeno deságio. A participação da Eletrobrás, do BNDES e o preço da energia no ACL são fatores primordiais que certamente contribuirão para que o governo considere o leilão um sucesso, independentemente do preço final atingido.

* O texto foi redigido antes do anúncio de suspensão do leilão em decorrência da liminar obtida pelo Ministério Público Federal na Justiça Federal de Altamira.

Fonte: Jornal da Energia