Robô que pode ajudar paraplégico a dar chute na Copa é testado no país

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis está à frente do projeto do ‘robô’ que possibilitará que um brasileiro com paralisia possa andar e dar o tão esperado chute na abertura da Copa do Mundo.

 

Faltam 53 dias para um acontecimento que pode ser um grande marco da ciência, especialmente da ciência do Brasil.

Se tudo der certo, um jovem com paralisia nas pernas vai ficar em pé, andar e chutar uma bola, na abertura da Copa do Mundo! À frente desse projeto internacional, um brasileiro: o neurocientista Miguel Nicolelis.

As salas onde se faz ciência de ponta ficam na capital paulista, mas o ambiente é internacional.

Fantástico: Nesse laboratório de São Paulo, um espaço amplo, recém inaugurado, dezenas de cientistas do mundo inteiro trabalham literalmente 24 horas por dia para cumprir um prazo muito curto. Uma coisa rara em ciência. Um prazo só de 53 dias para algo que vai acontecer na cerimônia de abertura da Copa do Mundo. Professor, esse algo é o quê?
Miguel Nicolelis: Bom, se tudo der certo, de acordo com o nosso plano, um brasileiro, um jovem adulto brasileiro, vai, durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo, esse brasileiro tem uma paralisia das pernas, né, ele vai estar vestindo um exoesqueleto que nós desenvolvemos a partir desse consórcio e vai poder andar novamente e ser responsável por um chute emblemático durante essa cerimônia de abertura da Copa.

Um chute dado por uma pessoa com paralisia, visto pelo mundo todo. Será a realização de um sonho de um homem: o neurocientista brasileiro, e palmeirense fanático, Miguel Nicolelis.

Há dois anos, o Fantástico acompanha, de muito perto, esse trabalho. Em 2012, mostramos o pontapé inicial desse projeto ambicioso, no laboratório de Nicolelis, na universidade Duke, nos Estados Unidos.

O primeiro modelo de uma perna robótica. “Aqui em cima seria a articulação de um fêmur na bacia e aqui seria um joelho”, explicou Nicolelis, na época.

No ano passado, também em Duke, acompanhamos o avanço das pesquisas. Um protótipo com duas pernas e pés já sendo usado por um macaco. “Que está aprendendo a vestir o exoesqueleto”, disse o neurocientista.

Agora, no Brasil, em colaboração com a Associação de Assistência à Criança Deficiente, é a reta final. “A gente fala em horas, minutos e segundos. Todo mundo está aqui vivendo essa expectativa”, declara Nicolelis.

Para entender a pesquisa do professor Nicolelis, precisamos antes aprender duas novas expressões. A primeira é ‘exoesqueleto’. Ou seja, um esqueleto que fica por fora do corpo. Ele também é chamado, simplesmente, de robô.

A outra expressão é: ‘interface cérebro-máquina’, quer dizer uma máquina que é comandada pelo cérebro de uma pessoa.

Funciona assim: com seus pensamentos, o paciente controla quando o robô deve começar a andar. O robô dá os passos. O paciente decide quando chutar, e a máquina chuta. E a pessoa, que com os pensamentos, manda parar o movimento.

Oito jovens adultos brasileiros, que perderam os movimentos e a sensibilidade nas pernas, foram selecionados para a fase final da pesquisa. Mas só um deles vai dar o tão esperado chute, na abertura da Copa, dia 12 de junho. “A pessoa tem também que querer, estar à vontade, se sentir bem, ter prazer, estar feliz em fazer isso. Todos estão preparados”, afirma Nicolelis.

Para ser o escolhido, é preciso treinar. E muito. “Essa é uma máquina suíça de reabilitação, que nós trouxemos para o Brasil. Os nossos pesquisadores adaptaram essa máquina para poder ser um simulador do que o exoesqueleto é capaz de fazer”, explica o professor.

Para os pacientes, só entrar na máquina já foi uma emoção imensa. “Teve um paciente que falou para mim que fazia anos que ele não tinha a sensação de ficar na vertical. O que é uma coisa para nós, que a gente assume, que é trivial, né? Mas para pacientes com lesão completa da medula espinhal é uma grande conquista, né”, conta.

Nicolelis: Essa aqui é a sala principal. Nesse momento, onde nós estamos terminando a montagem.
Fantástico: Todos os oito pacientes já vestiram o exoesqueleto?
Nicolelis: Já vestiram e já fizeram testes ergonômicos. O exo já foi no chão, já andou. E agora os pacientes vão começar a se ajustar, a se adaptar ao exo andando autonomamente.

Um dos robôs já está pronto. O segundo está sendo montado. Eles vieram da França. “Em 15 meses nós saímos do zero, do ponto de vista de engenharia, né, para construir dois desses caras e colocar eles para andar”, afirma.

Feito de ligas superleves, o robô tem 70 quilos. Uma touca na cabeça do paciente capta os sinais do cérebro, como em um eletroencefalograma, e envia para o robô.

No início, a técnica de Nicolelis usava fios metálicos implantados no cérebro. Mas, mais recentemente, ele passou a usar a touca. “Quando a gente decidiu que a primeira aplicação do projeto ‘Andar de Novo’ seria realmente locomoção, usar pernas, membros inferiores, a gente descobriu que daria para a primeira aplicação começar com método não invasivo, que é uma touquinha, né”, diz Nicolelis.

Mas fazer o movimento não basta. É preciso que a pessoa sinta onde o robô está pisando. Para isso, os cientistas usam uma ‘pele artificial’, desenvolvida na Alemanha, cheia de sensores. “Essa pele artificial está embaixo do pé. Quando pisa em algum lugar, gera um sinal”, explica o neurocientista.

Quando o robô se mexe, essa pele artificial ‘sente’ os pés tocando o solo e manda um sinal para as mangas, usadas pelo paciente.

Miguel Nicolelis: O pessoal vai te ajudar a vestir essa manga de camisa, as duas. Que tem os elementos, que vibram com o sinal que vem da pele artificial. Que estaria no pé. O pisar no chão vai gerar um sinal elétrico, que vai fazer esses elementos vibrarem e você vai sentir na pele do braço.

O sinal chega aos braços, mas rapidamente a pessoa se acostuma, e o cérebro entende essas vibrações como se estivessem sendo sentidas pelos pés. “Os pés estão mexendo, eu estou sentindo uma vibração nos braços, mas é uma vibração que remete ao movimento dos pés, ao toque dos pés no chão”, experimenta o repórter.

Nos treinos, os pacientes usam óculos de realidade virtual. “Nesse momento, para a maioria de nós, a gente começa a ter a sensação que a gente está andando”, diz Nicolelis.

“É, mas é mesmo”, afirma o repórter.

Quem usar o exoesqueleto vai ter a mesma experiência. A pessoa paralisada há anos, e também sem sentir nada da cintura para baixo, recupera a sensação de caminhar.

Fantástico: Mesmo sendo um projeto tão internacional, o senhor vê esse projeto como uma conquista da ciência brasileira?
Miguel Nicolelis: Sem dúvida, ele foi pago pela ciência brasileira, ele foi imaginado por cabeças brasileiras, ele teve componentes fundamentais desenvolvidos no Brasil. Eu tenho muito orgulho de dizer que isso é algo que tem uma marca da ciência brasileira.
Fantástico: Teve algum momento em que o senhor achou que não ia dar?
Miguel Nicolelis: Nunca.

Nicolelis diz que a demonstração da Copa não é o fim dos trabalhos. É o começo.

Fantástico: O senhor imagina isso aqui um dia em uma linha de produção substituindo cadeira de rodas?
Miguel Nicolelis: Não tenho a menor dúvida. E eu espero que isso aconteça no Brasil. O limite da engenharia robótica, da mecatrônica, está aqui.
Fantástico: O estado da arte está aí?
Miguel Nicolelis: O estado da arte está aqui. E tem uma bandeirinha do Brasil, e chama Brasil Santos Dumont 1.

Então, até o dia 12 de junho, professor!

 

Fonte: G1/Fantástico logopet