Variabilidade de frequência cardíaca e processamento de sinais na medicina

Como você talvez já tenha pensado, muitos equipamentos utilizados na área médica não são projetados por médicos em si, mas sim por um conjunto de pessoas de diferentes áreas de conhecimento, uma vez que é necessária a complementação do conhecimento em áreas que normalmente não são abrangidas pela medicina. Da mesma forma acontece com o processamentos de sinais no corpo humano, desde sinais cardíacos até sinais encefalógrafos (cerebrais). 

Para um entendimento mais adequado dos resultados de um experimento é necessário entender a fisiologia e a biologia do que se estuda assim como as especificidade das técnicas utilizadas para obtê-lo. 

Portanto para analisar a Variabilidade de Frequência Cardíaca (VFC) devemos entender a fisiologia do coração, como são obtidos os dados, como esses dados serão tratados e o que vamos utilizar para estudá-los.

Antes de sabermos o que é exatamente a variabilidade de frequência cardíaca, primeiramente devemos entender a dinâmica do coração e como é captado o sinal cardíaco.

Na imagem acima nós temos a representação de um coração humano, por ela podemos ver que o sangue venoso entra no átrio direito, é bombeado para o ventrículo direito (despolarização do átrio) e finalmente bombeado para os pulmões (despolarização do ventrículo). Do lado esquerdo nós temos o sangue arterial entrando pelo átrio esquerdo, sendo bombeado para o ventrículo esquerdo (despolarização do átrio) e finalmente bombeado do ventrículo para o corpo (despolarização do ventrículo). É importante ressaltar que a despolarização atrial do lado esquerdo e do direito ocorrem ao mesmo tempo, assim como a despolarização ventricular.

Para a aquisição do batimento (despolarização atrial seguida da despolarização ventricular) é comumente utilizado o que nós chamamos de Eletrocardiograma (ECG), o qual provavelmente todos já tenham visto em um hospital ou até em uma série de TV, visto que é frequentemente utilizado. Para obtermos o ECG são colocados alguns eletrodos em locais específicos no corpo do paciente os quais captam potenciais elétricos (tensão em milivolts) na pele durante um período de tempo, gerando um padrão de onda bem característico como nas imagens abaixo.

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CV Physiology | Electrocardiogram (EKG, ECG)

A partir desses potenciais elétricos podemos identificar o que significa cada onda que é mostrada, como por exemplo a onda P na imagem da esquerda, que representa a despolarização atrial. Já o complexo de ondas Q, R e S (complexo QRS) representa a despolarização ventricular.

O que é, portanto, a VFC:

A variabilidade de frequência cardíaca representa a capacidade de um indivíduo regular a frequência de batimentos do coração, alterando-a de acordo com a necessidade do corpo. Portanto a “velocidade” que o coração bate está diretamente relacionada com o sistema nervoso central e é influenciada por diversos fatores como a respiração, termorregulação do corpo, pressão arterial, etc. Esse tipo de controle permite variadas funções biológicas assim como a reação ao estresse do ambiente.

Além de avaliar a condição do coração do paciente com relação à algumas cardiopatias (como infarto do miocárdio, hipertensão arterial, doença de Chagas e entre outros), os parâmetros usados na análise da VFC nos permitem também entender e estudar algumas doenças sistêmicas como a diabetes e até certos tipos de câncer.

Quais são esses parâmetros:

Existem vários meios de se avaliar a variabilidade de frequência cardíaca, porém alguns são mais utilizados, dentre esses, nós podemos dividir os métodos em dois grupos mais gerais, os métodos lineares e os não-lineares.

Em relação aos métodos lineares os mais utilizados são os métodos geométricos (índice triangular e plot de poincaré) como mostram as figuras 1 e 2 abaixo, os índices estatísticos (SDNN, SDANN, SDNNi, rMSSD, pNN50) e a análise no domínio da frequência. Vale dizer que todos esses métodos citados utilizam os intervalos de tempo entre as ondas R obtidas do ECG (intervalos R-R).

A análise no domínio da frequência é altamente relacionado com a Transformada de Fourier (Mas o que é a Transformada de Fourier? Uma introdução visual ) e implica que o sinal estudado é composto por um espectro de frequências bem definido, ou seja, o sinal em si é dado por um somatório de ondas periódicas simples de frequências de oscilação e fases diferentes. Este método é amplamente utilizado no estudo de sinais em geral, desde sinais biológicos até sinais de telecomunicações e por isso, apesar da sua complexidade, o entendimento da técnica e de suas características se tornam mais fáceis.

Para analisar o espectro de frequências aplica-se a transformada rápida de fourier à curva ajustada aos pontos relativos à ordem do intervalo R-R e sua duração (tacograma), como podemos ver nas figuras abaixo.

Fig. 3-Tacograma de um adulto jovem normal (A) e de um recém-nascido normal (B). A variabilidade da frequência cardíaca no painel B está bem menor do que no painel A

Fig. 4-Análise espectral de frequências (Fast Fourier Transform) de um adulto jovem normal (A) e de um recém-nascido normal (B). O componente de alta frequência (HF) está proporcionalmente bem mais reduzido no recém-nascido (setas) assim como a potência total

Em contraste, os métodos não-lineares ainda são pouco utilizados para a análise do sinal cardíaco e portanto pouco se sabe sobre as características específicas dos resultados obtidos. Alguns exemplos desse tipo de técnica são a função Autocorrelação, expoente de Hurst, dimensão fractal, teoria do caos e atratores estranhos e lei de potência.

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Escrito por Hugo Stein