Entrevista: André Luis Marcato

André Luis Marques Marcato possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestrado e doutorado em Engenharia Elétrica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1998 e 2002 respectivamente). É senior member do IEEE (Institute Of Electrical And Electronics Engineers) – Seção Minas Gerais – “Power and Energy Society” e “Robotics and Automation Society”. Desde 1994 é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora onde, atualmente, é professor Associado IV. Tem atuado no ensino e pesquisa nas áreas de planejamento energético e teoria de controle. As suas principais atividades têm sido relacionadas ao desenvolvimento de técnicas de otimização aplicadas à coordenação hidrotérmica, planejamento da operação e expansão de sistemas elétricos e energéticos de grande porte. Coordena ou coordenou projetos de pesquisas com empresas do Setor Elétrico Brasileiro, como, por exemplo, CEPEL, Light, CESP, CEMIG, Duke Energy, CTGBR, Petrobrás. Contemplado com cota do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG (PPM VII, IX e XI – 2013-2019).

Ainda na graduação, aqui na UFJF, você participava de alguma atividade extracurricular? Você considera essas atividades importantes para o desenvolvimento do profissional de engenharia?

Em 1987, eu cheguei aqui na plataforma como aluno do colégio técnico. Na época a gente tinha o Colégio técnico Universitário, que era o CTU, e ele funcionava no atual campus da UFJF. Quando foi em 1991, eu passei no vestibular para a faculdade de engenharia, e me formei em agosto de 1995.

Durante a minha faculdade eu realmente procurei me envolver muito: logo no início, como eu tinha feito o curso técnico, fui para a reitoria trabalhar com desenvolvimento de software, então durante a engenharia eu fazia estágio na reitoria e desenvolvi diversos programas que controlavam o Departamento de materiais, controlavam as compras da universidade, diversos sistemas que existem lá fui eu e alguns colegas que desenvolvemos, como estagiários. E, em paralelo, mais ou menos no meio do curso, surgiu a oportunidade do PET, e eu lembro que foi um dos primeiros projetos que a universidade teve como bolsa de iniciação científica. E aquilo ali era o sonho de verão de todo aluno, poder ter uma bolsa de iniciação científica no PET, porque realmente eram pouquíssimas oportunidades. Então na época a gente tinha 12 bolsas (eu não sei quantas que são hoje) e na primeira turma eu estava muito novo no curso e não participei, mas no segundo processo seletivo do PET eu fiz a seleção e entrei, na época, entrou comigo, por exemplo, o professor João Alberto. Então, ali eu pude também trabalhar e aplicar os conhecimentos que eu estava tendo nas disciplinas no meu projeto de iniciação. No início, eu trabalhei com o professor Zé Luiz, embora o “Chico” (Francisco José Gomes) fosse o tutor do PET, quem me orientava era o professor Zé Luiz, e nós desenvolvemos um projeto muito interessante que foi um sistema CAD (chamamos de CAD Circuitos Elétricos), que a gente conseguia desenhar na tela do computador um circuito elétrico qualquer, com resistência, capacitor e indutor, colocar fonte de corrente ou fonte de tensão, e o programa automaticamente resolvia o circuito. Na época a gente não tinha ainda tantos softwares assim de desenhos que facilitassem a visualização gráfica de um circuito, então aquilo lá foi realmente um desafio grande, foi eu e um outro colega que desenvolvemos esse programa. Esse projeto originou um artigo e a nossa primeira publicação, meu primeiro trabalho num congresso, que foi o CBA (de 1996 ou de 1994) que a gente publicou um artigo lá, a gente apresentou o trabalho no Rio de Janeiro, foi realmente muito legal.
Então, nesse momento, o PET realmente cumpriu a função de me despertar para a importância da iniciação científica, para esse ímpeto que eu tenho hoje para pesquisa e estar desenvolvendo coisas novas. Mas acabou que depois desse trabalho, o meu trabalho de final de curso mesmo foi um trabalho que quem me orientou foi o professor Francisco José Gomes, na área de sistemas de controle. Fizemos um projeto em que a gente tinha um tubo. Em um lado do tubo colocava um ventilador ou uma hélice de computador e do outro lado ficava uma hélice só que de forma passiva, e tinhamos que controlar a velocidade do vento nesse tubo. A hélice passiva tinha que estar sempre girando a uma velocidade constante, mesmo que abrisse, por exemplo, um furo no tubo e o vento começasse a sair também pelo furo, aí automaticamente o ventilador controlado tinha que aumentar a velocidade.
Resumindo, durante o PET eu desenvolvi essas duas atividades, esse controlador (isso que me despertou o interesse pela área de controle, até hoje eu dou aula de sistemas de controle) e o trabalho com o professor Zé Luiz também, que era a parte de programação. Foram duas atividades que realmente foram fundamentais na minha formação.

Como foi a sua escolha quando decidiu seguir a carreira acadêmica, e por que na PUC – Rio?

Antes de formar em engenharia eu já tinha feito um concurso para professor substituto no CTU, então eu formei em 1995, mas em 1994 teve um concurso para professor, e como eu tinha feito o curso técnico, mesmo sem ter formado em engenharia eu pude fazer o concurso para professor. Então, eu já entrei dando aula no CTU como substituto antes de formar aqui na engenharia. E aí surgiu a oportunidade no Centro de Pesquisa de Engenharia Elétrica (CEPEL). Na verdade, foi o meu orientador de mestrado quem pediu para o professor Zé Luiz a indicação de alguém para desenvolver uma atividade com ele lá a nível de mestrado. E, como eu tinha feito um trabalho com o Zé Luiz, ele me perguntou se eu estaria interessado em continuar o mestrado fazendo essa atividade lá no CEPEL.
Na época eu estava muito dividido, porque eu estava gostando tanto de dar aula lá no CTU, que eu estava com medo de ter que sair do CTU e fazer um mestrado lá no Rio e ter que abandonar as aulas que eu estava gostando tanto, mas acabou que, no final da história, como eu era um professor substituto, eu consegui conciliar as duas coisas.
Às vezes as coisas vão acontecendo para favorecer a nossa vida, quando você faz um trabalho bem feito, eu acho que as coisas conspiram a seu favor. Na época o diretor do CTU e os alunos gostavam muito de mim e os alunos concordaram em assistir as aulas no sábado, então minhas aulas foram todas deslocadas para o sábado no CTU, e, com isso, eu ficava no Rio de Janeiro fazendo mestrado de segunda à quinta-feira e dava aula no CTU na sexta-feira e no sábado. Pude então ir lá para o CEPEL e começar a desenvolver a minha atividade de mestrado e continuar com as minhas aulas, mesmo depois que eu já tinha formado em engenharia.
O CEPEL é um centro de pesquisas, então não consegue dar um diploma para ninguém. Normalmente ele tem bolsistas que trabalham lá e que estão vinculados a uma Instituição de Ensino, aí que surgiu o negócio da PUC.
O que eu fazia: eu fui para a PUC fazer o mestrado, só que a minha mesa ficava no CEPEL, lá na PUC eu ia fazer só as matérias, aquele negócio todo, só que eu tinha um orientador na PUC e um orientador no CEPEL. A minha escolha foi essa conjunção de fatores. Como surgiu a oportunidade e os temas que eles me propuseram na PUC e no CEPEL foram temas realmente interessantes, eu entrei nessa área.

Você teve a formação voltada para a Engenharia Elétrica tradicional. Como começou o interesse pela área de Controle, Robótica e Automação? Você trabalha com essas áreas em conjunto?

A minha formação em engenharia elétrica foi uma formação mais generalista, era um curso em engenharia elétrica que tentava te direcionar com um embasamento razoavelmente forte para todas as áreas, muito embora, tradicionalmente, a área de sistemas de potência aqui na Universidade sempre foi muito fortalecida. O interesse por sistemas, pela área de controle, robótica e automação eu acho que veio muito por conta do CTU, porque quando eu ingressei como professor substituto no CTU, eu dava aula sempre de eletrônica, eletrônica analógica, eletrônica digital, microcontroladores, microprocessadores, então lá eu trabalhava muito voltado para a eletrônica, e no mestrado e doutorado (já avançando para o doutorado) sempre trabalhei com a área de energia. Isso me deu um embasamento e fiquei com muita experiência de ensino na área de controle, automação e robótica e na área de pesquisa sempre avançando muito na área de sistemas de energia.
Outro fato interessante, no ano que eu defendi o meu doutorado, em 2002, eu defendi o doutorado em maio, já estava com um processo seletivo aberto aqui para professor na faculdade de engenharia. Aí eu defendi meu doutorado, peguei a minha ata de defesa e vim aqui fazer a minha inscrição para o concurso, aí o concurso foi realizado em junho ou julho e em agosto eu estava tomando posse aqui na faculdade de engenharia como professor. Nós estamos em 2018, já são 16 anos que eu estou aqui na engenharia, mas, juntando com os 8 anos que eu tinha no CTU, já tem aí 24 anos que eu trabalho dando aula e é uma atividade que eu realmente gosto muito. Sinto muito prazer em dar aula, relaxo quando eu estou dando aula.

Eu fiz um pós doutorado, fiquei 1 ano fora, fiquei 7 meses em Londres, fiquei numa instituição que realmente foi muito boa para mim, que realmente me trouxe muita experiência, até de organização universitária. Aí eu fiquei 7 meses lá, aí nesse mesmo ano eu saí de Londres em agosto, fui para o Porto lá em Portugal e fiquei mais 5 meses, então são duas instituições que eu gostei realmente de ter estado lá nesse período porque eu aprendi muito e em ambas trabalhando com robótica. Pude formar uma bagagem que me possibilitou voltar para Juiz de Fora e começar a orientar aqui no mestrado e no doutorado alunos na área de robótica. Na pós-graduação eu tenho alunos, tanto no mestrado quanto no doutorado, na área de robótica e também na área de planejamento energético, que foi o tema do meu mestrado e do meu doutorado, então tenho alunos divididos aí entre essas duas áreas. Na graduação, aí eu trabalho muito na área de controle, na área de planejamento energético também e agora, comecei a ministrar nesse semestre a disciplina de otimização.

Fale um pouco sobre as pesquisas que você desenvolve aqui na UFJF.

Na área de robótica a gente trabalha com quadrotores (tenta em todas as frentes), então a gente pensa em como você fazer modelos de quadrotor diferentes, então a gente teve um projeto, que foi a parceria da universidade com uma empresa, que foi a CTG – BR, uma empresa chinesa que comprou algumas usinas hidrelétricas no Brasil. Desenvolvemos um quadrotor com tecnologia híbrida, então ele tem propulsão elétrica e propulsão através de motores de combustão, então esse é um tema de pesquisa que a gente tem aqui. Então os alunos trabalharam no desenvolvimento de um hadware diferenciado.

Também temos alunos trabalhando na parte de robótica, com a parte de otimização, trajetória, planejamento de trajetória a parte de localização de robôs em ambientes internos (utilização a otimização).

Na realidade, toda a minha formação é voltada para a otimização, e todos os problemas que eu trabalhei tinha algo de otimização envolvido, com isso eu consegui unir os dois mundos, trabalho com otimização lá na área de energia e na área de robótica. Na area de energia o meu tema principal de pesquisa é voltado para Operação de Sistemas Elétrico, como um sistema elétrico com o brasileiro tem dezenas de usinas hidrelétricas espalhadas por nosso território, sendo que todas elas estão interconectadas através de rios, então elas são ligadas em cascata, a quantidade de agua que voce turbina em uma usina afeta o funcionamento de outra, então eu trabalho otimizando a alteração desse conjunto de usinas hidrelétricas, térmicas agora tem eólicas. Então, na pós-graduação o meu foco de pesquisa é esse aí, robótica e a parte de planejamento energético.

Você desenvolve algum projeto que envolve parceria com empresas brasileiras e/ou estrangeiras?
Ao longo desses anos, uma coisa que eu acho muito importante, acho que foi o CEPEL que me propiciou, lá é um centro de pesquisa que desenvolve pesquisas para o setor elétrico e lá a gente o tempo todo estamos em contato com empresas, principalmente as voltadas pra geração, transmissão e distribuição de energia, bem como algumas empresas que fazem parte da regulação do sistema, que é o Operador Nacional de Sistema (ONS), a APE de pesquisa energética, a ACCEE. Eu sempre trabalhei no CEPEL em contato com essas empresas, então isso me propiciou uma rede de relacionamentos grande.

Desde que eu cheguei aqui em 2002 na engenharia, sempre eu busquei financiamento nas minhas pesquisas desses projetos, então isso me possibilita recursos além do que o governo manda para a universidade. São muitos equipamentos que a gente compra com recursos desses projetos que a gente desenvolve com as empresas, esses projetos normalmente interessam tanto a universidade quanto a empresa. Por exemplo: uma empresa precisa de um quadrotor com uma autonomia de voo bastante grande, para poder supervisionar as margens de um reservatório, isso me interessava também, pois quero estudar e botar os alunos para estudar isso também, então a gente desenvolveu o projeto e a empresa financiou, comprou muitos equipamentos necessários para o mesmo, os professores acabam tendo uma complementação salarial também (recebem uma bolsa para estarem atuando no projeto), todos os alunos envolvidos também recebem bolsas, essas bolsas não são as normais da universidade, são bolsas pagas pelo projeto, então acaba sendo vantajoso para todo mundo, professor consegue ganhar um pouco mais, o aluno se envolve na pesquisa, a gente consegue recursos para o nosso laboratório, o aluno acaba percebendo a importância da universidade estar em contato com a empresa e eu acho que essa é uma grande revolução que o Brasil precisa fazer ainda, pois a universidade ainda está muito distante das empresas e eu acho que elas têm que estar mais próximas, a universidade tem que estar preocupada em resolver problemas que são reais e os alunos que participam disso acabam tendo mais facilidade de entrar no mercado de trabalho, então isso foi algo que eu sempre procurei fazer desde que eu ingressei aqui na faculdade de engenharia.

Como você vê o futuro da área de controle e automação no Brasil? E da área de energia e sistemas de potência?

No Brasil na área de sistemas de potência e de energia, a gente tem um mercado muito consolidado com muitas empresas, estamos falando em torno de duzentas empresas que trabalham com geração de energia no Brasil (englobando todas as fontes de energia), obviamente todas essas empresas demandam engenheiros eletricistas, fora essas todas, ainda tem as empresas de transmissão, distribuição e as que eu classifico como regulatórias (ANEEL, CCE, ONS, CEPEL, Eletrobrás, …), portanto, nós temos um universo de empresas que demandam pelo engenheiro especializado em sistemas de potência, o futuro é realmente promissor para quem está nessa área.
Falando em robótica e automação, mesma coisa, todas essas empresas de geração, transmissão e distribuição necessitam de controle e automação, fora isso, ainda há todo o setor industrial que necessita de robótica, controle e automação.
O que eu vejo é que em relação a pesquisa o Brasil ainda tem muito que caminhar nessa área, pois nós importamos essa tecnologia de países desenvolvidos. Quando nós falamos de controle e automação não podemos esquecer de citar grandes empresas internacionais, que desenvolvem equipamentos que são caríssimos e hoje nós importamos esses equipamentos para uso dos nossos engenheiros, e o Brasil não vai conseguir mudar essa realidade se não investirmos em pesquisa nessa área, então temos que mudar essa situação e os engenheiros que estão ingressando nessa área precisam ter isso em mente, temos que criar nossas empresas, start-ups, para que lentamente a gente consiga produzir esses equipamentos com um certo nível de concorrência com essas grandes empresas.

Há alguma coisa que gostaria de acrescentar à entrevista?
Sempre fui muito proativo na faculdade, eu acho que essa é uma experiência importante de compartilhar com os alunos, é fundamental quando estamos fazendo qualquer coisa, a gente se dedicar realmente de corpo e alma, porque quando você gosta do que está fazendo você sente aquele ímpeto de cada vez estar fazendo mais, desenvolvendo mais com as coisas, isso é uma coisa que eu sempre tive, então, nesses 4, 5 anos que a gente fica aqui, acho que temos que aproveitar realmente todos os segundos para poder interagir muito com os colegas, interagir muito com os professores, estar presente nos laboratórios, pois isso é uma vivência que você vai levar depois para o resto da sua vida.

Gostaria de acrescentar que dentro da universidade ja pude estar em diversas posições, a universidade é um mundo e nós precisamos explorá-lo, cada lugar que você se insere com certeza há muito aprendizado. Obrigado !


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