Entidades denunciam que geradoras deixaram de vender energia para aumentar lucro

Empresas estariam deixando de participar dos leilões do governo federal para ampliar o lucro vendendo energia em sistema compulsório. Prática pode afetar consumidores e indústrias

São Paulo – A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) e a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) apresentaram uma representação ao Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico (Cade) contra as empresas geradoras de energia elétrica Cemig (mineira), Copel (paranaense) e Cesp (paulista) por suposta prática de cartel na venda de energia. Segundo as entidades, as corporações aproveitaram a crise no setor energético para evitar os leilões oficiais do governo federal e vender energia no chamado mercado de curto prazo, onde o preço chega a ser 400 vezes maior.

As empresas que produzem energia elétrica – através de usinas hidrelétricas, termoelétricas ou eólicas – não são as mesmas que distribuem energia. Assim, as primeiras vendem para as segundas, que vendem aos consumidores. As distribuidoras são obrigadas por lei a adquirir 100% da carga que têm contratada pelos consumidores. Já as geradoras que não conseguem contrato para toda a energia produzida entram automaticamente no mercado de curto prazo, cujos preços oscilam de acordo com a dinâmica do mercado.

As entidades denunciam que as empresas geradoras de energia têm deixado de firmar contratos com as distribuidoras, através dos leilões realizados pelo governo federal. O objetivo dos leilões é criar um ambiente controlado, garantindo tarifas módicas, por exemplo. As distribuidoras acabam obrigadas a comprar energia no mercado de curto prazo, onde deveria ser vendida somente a energia produzida a mais do que a necessária para atender aos contratos firmados.

Segundo a representação, Cesp e Copel não ofertaram energia em junho de 2013, e a Cemig não o fez no pleito de dezembro do mesmo ano. Com isso, pouca energia ficou disponível no mercado regulado, o que aumentou o custo de aquisição de energia.

O diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) Carlos Augusto Kirchner explicou que as empresas já têm toda a sua construção e instalação paga (amortizada). Assim, a energia produzida por Cesp, Cemig e Copel tem custo médio de R$ 20 por megawatt-hora. Nos leilões, o maior preço atingido foi de R$ 190. Mas, no mercado de curto prazo, a energia vinha sendo vendida pelo preço de R$ 822,83, com margem de lucro de 4.000%.

Além disso, entre janeiro e março deste ano – período que teriam realizado a prática – as empresas lucraram o dobro sobre o mesmo período do ano passado: R$ 2,5 bilhões (2014) contra R$ 1,2 bilhão (2013).

“Isso viola o princípio do serviço público essencial, em que a regra é a do menor lucro possível”, afirmou Kirchner. Para as entidades, essa situação pode afetar os consumidores e também o setor industrial, causando desemprego, perda da competitividade e inflação, levando a uma crise econômica sem precedentes.

As entidades pediram que sejam abertos inquéritos administrativos contra todos os agentes que podem ter se beneficiado da situação. “Percebemos que houve aumento das vendas no mercado de curto prazo nos últimos meses. Queremos que o Cade verifique se houve intencionalidade e prática ilegal por parte das geradoras”, explicou Kirchner.

A advogada Flávia Lefevre, da Proteste, ressaltou que a operação seria uma forma de especulação por parte das empresas. “É inadmissível a conduta que tenha como resultado a retirada de energia do mercado, implicando escassez artificial que leva ao aumento injustificado dos preços prejudicando a livre concorrência e também os consumidores.”

Oficialmente, a diminuição dos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, por conta da redução das chuvas que atinge o país desde o fim de 2012, tem levado à necessidade de ampliar o uso das termoelétricas, cujo custo de geração de energia é maior.

Para enfrentar o problema, o governo federal tem viabilizado empréstimos que já chegam a R$ 17,7 bilhões, para ajudar as distribuidoras. Isso é considerado um erro pelas entidades, que duvidam que este seja o único motivo do aumento e lembram que, da forma como está, a dívida será repassada aos consumidores ao longo dos próximos anos.

“A dívida acumulada em empréstimos emergenciais de socorro às empresas distribuidoras e aportes da União será bilionária e se tornará impagável, fazendo com que os prejuízos sejam repassados para as tarifas dos consumidores”, explicou Kirchner.

As entidades também cobram uma posição mais firme da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que estaria em falta com a fiscalização e a intervenção para evitar essa situação. “Não há nenhuma norma que obrigue as geradoras a vender a energia. Mas isso não é motivo para não ser garantido um ambiente equilibrado de mercado”, disse Kirchner.

A Aneel informou por meio de nota que até o momento não recebeu nenhuma recomendação do Cade.

A Copel também se manifestou por meio de nota, informando que “não ofereceu energia no leilão de 24 de junho de 2013, cujo início de fornecimento seria no dia 1º de julho seguinte, porque não tinha energia disponível para o segundo semestre daquele ano”. Mas que, para o ano de 2014, “a Copel tinha disponibilidade de energia, tanto é que vendeu no leilão de dezembro de 2013”.

A empresa refutou ilações de que tenha agido de forma “anticoncorrencial” e que “nunca reservou energia para vender a R$ 822,83 o MWh, até porque ninguém poderia prever que em algum momento chegaria a esse valor”.

 

Fonte: RBA

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