Déficit hidrelétrico reaproxima ministério e Aneel

Usina hidrelétricaApós um primeiro semestre marcado por divergências públicas e nos bastidores, o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) começam a “melhorar a relação” e a trabalhar de modo mais ajustado, diante de uma premente solução para o déficit hidrelétrico.

A virada aconteceu justamente durante as discussões sobre uma eventual medida de socorro às hidrelétricas, que têm registrado perdas bilionárias, disseram à Reuters pelo menos três fontes que participam de reuniões com ambos os órgãos de governo.

O déficit hidrelétrico tem sido registrado há dois anos, conforme a seca obriga o país a acionar todas termelétricas, o que reduz a produção e a remuneração das usinas hídricas, além de resultar em energia mais cara para o consumidor.

As diferentes visões entre governo e Aneel em relação a esse impasse causaram maior desconforto quando, enquanto o ministro Eduardo Braga acenava com apoio ao setor de geração, uma nota técnica da Aneel elencou uma série de argumentos que sustentaram a tese de que as perdas das empresas devido à seca são decorrentes do risco do negócio, inerente aos investimentos em energia hidrelétrica.

O documento enfureceu o setor privado, que voltou-se ao governo e passou a tentar articular um eventual apoio diretamente com o Ministério de Minas e Energia.

Segundo uma fonte de uma instituição setorial que participa das conversas, após a repercussão da nota técnica, a Aneel “resolveu pisar no freio e está trabalhando com bastante discrição, tentando se alinhar ao governo”.

O Ministério de Minas e Energia afirmou à Reuters que “tem mantido com as organizações do setor, especialmente com a Aneel, um relacionamento institucional profícuo, resultando em avanços na solução dos desafios e na implementação de melhorias no sistema elétrico brasileiro”.

Ainda que as instituições estejam reconstruindo laços, no que tange o déficit hídrico, a solução não deve vir de uma hora para outra.

Uma fonte próxima ao secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata, disse que as posições da Aneel naquela nota técnica dificultam as negociações com as empresas, que exigirão um grande acordo envolvendo diversos segmentos do setor elétrico.

“Há um esforço grande do Barata para achar uma saída negociada, mas neste momento isso não está aparecendo… por enquanto o mercado está parado em cima (do problema)… a solução passa por as empresas abrirem mão de alguma coisa também”, disse a fonte.

Segundo essas duas fontes, as posições explicitadas na nota técnica da Aneel são uma visão da área técnica, mais do que da diretoria, que tem um alinhamento maior com o ministério.

O documento, publicado em maio, defendia a rejeição de pedido de socorro financeiro das hidrelétricas ou qualquer medida para limitar perdas geradas pelo déficit hídrico.

Uma fonte que participa das negociações disse que, com o aprofundamento das conversas, percebeu-se que o caminho está mais para um meio termo entre o pleito das empresas e a posição manifestada na nota técnica.

Segundo essa mesma fonte, o ministro Braga também é responsável pela melhora no ambiente de negociações com a Aneel.

“O ministro tem buscado a interlocução”, disse.

Na semana passada, por exemplo, Braga realizou uma reunião com representantes da Aneel para discutir a questão do déficit.

Braga tem defendido uma solução parecida com um dos cenários com que a própria Aneel trabalha, que é o de criar uma espécie de “seguro” (hedge) em energia nova equivalente a 5 por cento da garantia física das usinas, para ajudar a compensar o déficit.

DIVERGÊNCIAS AO LONGO DO SEMESTRE

As divergências entre a agência e o ministério foram escancaradas ao público neste ano em alguns outros episódios.

Um deles refere-se à renovação das concessões de distribuição de energia elétrica.

Enquanto o ministério defendia que pelo menos parte dos investimentos a serem feitos pelas distribuidoras para atingir metas de qualidade no serviço, exigidos para a renovação, ficasse de fora da tarifa, a Aneel argumentava que, pela regra, os investimentos deveriam sim ser repassados aos consumidores.

Outra diferença tornou-se pública no final de abril, após a Aneel decidir negar os pedidos das usinas de Belo Monte (PA), Santo Antônio (RO) e Jirau (RO) para não serem responsabilizadas por atrasos nas obras.

Na época, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, publicou nota afirmando que a Aneel não havia errado, mas a questão ainda não estava definida.

Braga defendeu, então, que se buscasse uma solução que não iniba os futuros investimentos em hidrelétricas, mas sem onerar o consumidor.

“Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, os três grandes projetos são estruturantes… é muito complicado você falir os três projetos. Eles hoje dependem (de decisões do governo e da Aneel) para pararem de pé. Estão se tornando inviáveis, e eles são a base desse modelo”, lamentou uma fonte do setor próxima das negociações e com grande circulação no segmento.

Segundo uma fonte do governo, a leitura dentro do Ministério de Minas e Energia era de que faltava à Aneel iniciativa para buscar soluções para enfrentar as crescentes dificuldades do setor.

Por outro lado, segundo um outro interlocutor, que participou de conversas com ambas as partes, algumas das cobranças feitas pelo ministério à Aneel não poderiam ser executadas pela agência, a quem cabe seguir e executar o marco regulatório existente.

“Algumas questões, como o déficit da geração hídrica, exigem mudança de lei, e isso é atribuição do ministério, e não da agência”, disse essa fonte, sob a condição de anonimato.

Todas as fontes consultadas pela Reuters foram unânimes ao dizer, porém, que a colaboração entre Aneel e ministério é necessária, inclusive para ajudar o ministério a reformular leis.

Isso porque, segundo essas fontes, o ministério não possui um corpo técnico tão vasto e especializado como o que existe na agência reguladora e em outros órgãos do setor, como a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Fonte: Exame  Logo Pet 2